sexta-feira, 28 de maio de 2010

O (possível?) amor dos homens

Por Públio José*

O amor é uma das palavras mais pronunciadas ao longo da história. Aliás, bem mais do que uma simples palavra, uma verdadeira instituição universal. Quando se fala e se exercita o amor no local de nascimento, de moradia, ou em qualquer parte, sabe-se que o entendimento ocorrerá – mesmo diante de diferenças de qualquer ordem, sejam lingüísticas, culturais... Em diferentes ocasiões e circunstâncias as mais diversas, o termo habitou a boca de políticos, trovadores, escritores... E o homem se matando. De religiosos, imperadores, ditadores, democratas... E o homem roubando, adulterando, ferindo seu semelhante. Também foi cantado em prosa e verso nas mais diferentes latitudes e longitudes. E o homem distorcendo, massacrando, agredindo seu semelhante... Se o amor existe e todas essas coisas acontecem, imagine se ele não existisse. E o homem torturando, humilhando, oprimindo seu semelhante.

Diante de tal quadro, onde encontrar na existência humana pelo menos resquícios da prática do amor? O amor existe, é certo! Mas onde está? Onde vê-lo na nossa rotina diária? Pois, por mais desestimulante e decepcionante que seja a nossa visão do dia a dia (carregada de crimes e violência de toda ordem), ainda é possível enxergar, entre as brumas dos fatos diários, a prática do amor entre os homens. Muitas vezes de forma quase anônima, como é requerido pela sua consistência altruísta. Outras vezes de forma mais pública, mais notória, quando praticado em prol de uma causa, de uma coletividade. O importante é que sejam gestos e atitudes de amor verdadeiro, pois o contrário soa falso, enganador. Embora aparentemente complexa, é de fácil constatação a prática do amor verdadeiro. Basta se observar se o gesto de amor que alguém exercita pode se voltar contra ele mesmo.

Pois o amor, em sua essência, é atitude tomada em favor de alguém como se fora para si mesmo. Não é assim que Jesus posicionou o amor, segundo o propósito de Deus para os homens, quando disse “amai ao próximo como a ti mesmo”? Porquanto, mesmo diante da realidade atual, tão distante e conflitante em relação ao significado do termo, ainda é possível se notar amor do homem por outro ser humano, o que comprova o enorme poder do amor em sobreviver como atitude, como gesto – até como virtude humana moral através do tempo. Nada impede o amor de acontecer, de brotar, mesmo que as circunstâncias para o seu surgimento sejam as mais absurdas, as mais improváveis. E a sua característica sublime, celestial, espiritual se afirma quando consegue se manifestar entre os homens. Um habitat, afinal, nada condizente com o amor e naturalmente propenso ao ódio, ao individualismo, à violência.

O amor se manifesta em sua real dimensão quando alguém deseja de bom para si o mesmo que deseja para o próximo. Ou quando, melhor ainda, transfere para outro o cuidado, o zelo, o carinho, a atenção que gostaria de ver direcionados para si. É fácil? Não, não é. Além do mais, em função da natureza humana, difícil de encarar o outro no mesmo nível que a si próprio. Mas o amor faz seus milagres. E sobrevive, e segue adiante, e acontece. Qual o motivo, qual a razão? Pela sua natureza divina, manancial que garante sua prática entre os homens e de onde brotam todas as demais virtudes, sejam elas éticas, morais, espirituais. Por isso, o amor consegue chegar ao coração humano e realizar maravilhas. Shakespeare também entrou nessa seara quando, através dos personagens de Romeu & Julieta, sentenciou que “limites de pedra não podem conter o amor. E o que o amor pode fazer, isso o amor ousa fazer”.

* Públio José é Jornalista.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Manhãs de Inverno

Por Aluísio Azevedo Jr.

Do mundo dos sonhos, retorno. E acordo certo, concreto, quase revigorado, quase angustiado, por ter que reiniciar tudo, inclusive o que ficou por aqui, o que não findou, só adormeceu, a esperar.

Recobrando a consciência, agenda de tudo, redescubro o mundo, que é real.

Ao gelo da hibernação, aliam-se o frio, o cinza da manhã, o medo da chuva, todos os medos.

Contraponto ao tormento, ganho alento, conforto, com um espreguiçar sem pretensão. Ajuntam-se meus cavaleiros, aliados, a luz do Sol, pássaros, e sons, melodias dos dias, cantigas antigas, ressoar de esperanças. Ah, um café, enfim a estimular.

Enquanto calafrios rondam, rotinas de gelo, cortinas, põem-se a cortar cada pedaço do que empedrara, na calada da noite. Cada retalho, filete preciso, agora perfila, à minha frente.

Certo, concreto mesmo, este que não é mais o meu refúgio imaginário. Afinal, aqui, somos reais. Fortes fracos?

Não importa nada disso. No camarim, enfrentamos nosso destino, roupas e adornos, vestes teatrais, figurinos, fotografia, ensaiamos cada cena, recolocamos cada compromisso, isso, isso, no seu lugar, pois vamos reiniciar. Apesar das manhãs de inverno.

Aluísio Azevedo Jr. é empresário e escritor. Fonte: Blog Um Café com Aluísio (http://aluisio.blog.digi.com.br/2010/05/26/manhas-de-inverno/).

sábado, 22 de maio de 2010

O País da Ficha Limpa

Paulo Afonso Linhares*

Seguindo a tradição de ser uma "república dos bacharéis", o Brasil mantém teima na crença absoluta de que a realidade pode ser moldada por leis escritas, como se fosse possível, numa penosa inversão, a superestrutura influenciar ou mesmo determinar a estrutura da sociedade, para usar as categorias tão bem trabalhadas pelo filósofo Antonio Gramsci. Os exemplos recentes não foram suficientes - sobretudo o do processo que originou a vigente Constituição - para mudar essa obsessão legiferante.

Com efeito, no processo constitucional de 1988, a sociedade brasileira, mal saída de uma ditadura que durou mais de duas décadas, foi com enorme sede ao pote da Constituinte: grupos de pressão de todos os matizes queriam influir na feitura da nova Carta para nela colocar, seja de que modo fosse, dispositivos que representassem os seus interesses concretos. E muitas matérias que não se adequavam ao figurino constitucional terminaram por entrar no texto final da Constituição de 1988. Aí, o inevitável ocorreu: a grande maioria dessas disposições serviu apenas como ornamento, ou por serem inexequíveis ou para cumprir uma tradição bem "nacional" de que as leis são feitas para não serem cumpridas, algo assim como a corruptela do famosa brocardo latino Dura Lex sed Lex - a lei é dura mais é lei - para Dura lex sed latex que, numa tradução das ruas, seria "a lei é dura mas estica"...

Sim, poucas tradições jurídicas no Brasil são tão bem assentadas quanto essa de se esticar a lei para promover a impunidade e os privilégios de verdadeiras castas incrustadas nos aparelhos do Estado, ou nos órgãos da sociedade civil, que são as decantadas "elites" dominantes. Quando não é possível mais dobrar ou esticar a lei, simplesmente entra na arena o casuísmo de se substituir a lei velha por outra que atenda a interesses privados ou consubstanciem privilégios anti-republicanos.

A nova teima é a chamada "lei da ficha limpa". Os últimos anos têm sido marcados, no Brasil, por constantes ondas de descrédito que atingem a maioria das instituições jurídico-políticas nacionais, em especial as de cunho parlamentar, a começar pelo próprio Congresso Nacional. Óbvio que os cidadãos brasileiros, dispondo de um nível de informações cada vez maior, sobretudo em razão do grande crescimento do número de usuário da Internet, têm repudiado com insuspeito vigor o déficit ético, apontando exigências politicamente sofisticadas, como é o caso da ficha limpa, ou seja, um dos requisitos da elegibilidade é o fato do aspirante às candidaturas ser alguém de vida escorreita, livre de qualquer complicação com a Justiça ou mesmo com a polícia.

Pensam os autores da proposta - uma iniciativa popular de projeto de lei com mais de 1,3 milhões de subscritores - que isso vai separar o joio do trigo na política brasileira, impedindo as candidaturas de políticos condenados por crimes graves, desde que haja uma condenação criminal por improbidade administrativa para que ocorra a inelegibilidade.

O projeto apresentado no Congresso foi aprovado com modificações nas duas Casas, estando no aguardo da sanção presidencial que, ao que parece, já é certa. Os critérios de inelegibilidade, derivados da conduta criminosa do candidato, mais consentâneos com a realidade, ainda são os da velha Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de noventa, com as alterações da Lei Complementar nº 81, de 13/04/1994: sentença penal condenatória transitada em julgado e referente a certas espécies de crimes (crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena).

A Lei da Ficha Limpa, ao contrário, proíbe a candidatura de todo aquele que tiver sido condenado em primeira instância por um colegiado de juízes, mesmo que não haja, ainda, uma certeza jurídica que somente se cristaliza como o trânsito em julgado. Muita polêmica vai rolar nos tribunais brasileiro com esse novo modismo de duvidosa constitucionalidade. Aguardemos.

* Paulo Afonso Linhares é Doutor pela Universidade de Pernambuco, Defensor Público Geral do Estado, professor e escritor.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O início da farsa


Por Carlos Gomes (Blog do Miranda Gomes)

O dia 17 ficará marcado para mim, como ‘o dia da farsa’, em alusão à demolição da Creche Kátia Fagundes e do Pórtico do Centro administrativo de Lagoa Nova, para parecer iniciados os trabalhos da construção da Arena das Dunas da Copa 2014.

Ao dizer isso, dois aspectos levanto para a análise do leitor – o primeiro é que é muito pouco para caracterizar o início de uma obra monumental, como se pretende, às vésperas da chegada de Comissão da Fifa para inspeção da futura Copa; o segundo é de ordem jurídica, pois a empreitada demolitória iniciada foi contratada com dispensa de licitação em razão de ‘urgência’.

Sou professor de Direito Tributário e Direito Financeiro há muitos anos, costumo ministrar cursos sobre Gestão Pública e já publiquei trabalhos sobre licitação, onde sempre ensinei que não existe na Lei 8.666/93 nenhum dispositivo que autorize dispensa de licitação por motivo de urgência. O que existe é a dispensabilidade nos casos de emergência ou calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa etc. (art. 24, inciso IV).

Na interpretação desse dispositivo existe posicionamento da doutrina e jurisprudência no sentido de que não se pode forçar estado de emergência ou calamidade com falta de planejamento ou desídia, quando houve tempo suficiente para a adoção do princípio constitucional da licitação obrigatória. Aliás, para a contratação, também direta, dos profissionais que ofereceram a maquete do novo estádio, ocorreu sob os auspícios do art. 25, isto é, ‘quando houver inviabilidade de competição’, num Estado onde tem dois arquitetos que já projetaram estádios e que foram efetivamente construídos – O Machadão e o do ABC, fora outras praças de esportes.

Seria interessante que o Tribunal de Contas e o Ministério Público verificassem a interpretação correta de tais dispositivos à luz das Súmulas do TCU e TCE/RN, evitando o eterno ‘fato consumado’ e a persistência da impunidade de administradores insensatos.

* Carlos Roberto de Miranda Gomes é professor, advogado, historiador e escritor.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Um Plebiscito sobre as Eras Recentes e seus Líderes

Por Aluísio Azevedo Jr.

Estamos iniciando o período eleitoral. Temos uma grande disputa se avizinhando. Em um momento tão importante, não podemos e nem devemos abdicar do direito ao voto.

Devemos comparar o PSDB e o PT, os dois supostos protagonistas.

Todavia, precisamos questionar se o protagonismo esteve, até hoje, nos palanques ou nos bastidores, nos políticos fantoches ou nos seus controladores.

Em princípio, devemos compreender que, num período recente de nossa história, a onda neoliberal devastou o patrimônio público nacional, vendendo as estatais brasileiras mais valiosas, deflagrando uma avalanche de privatizações. Este processo obscuro permitiu a realização de um grande golpe, onde empresários se apoderaram de tais riquezas, de forma quase graciosa. Estes grupos privados continuaram alimentando ciclos e mais ciclos de corrupção. Um dos mais famosos controladores e beneficiários, o empresário Daniel Dantas, é, também, considerado o pai dos mensalões.

Dantas, que passou a controlar grandes telefônicas, e ter ligações com os fundos de pensão das estatais brasileiras, foi um importante financiador de PSDB e PT em seus projetos eleitorais, mantendo o domínio sobre os promissores grupos empresariais, nascidos a partir das privatizações de FHC.

Daí, suas ligações iniciais com FHC, Serra, e o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, sempre denunciadas por jornalistas honestos, como Luís Nassif, Carlos Azenha e Paulo Henrique Amorim. Depois, vieram as ligações com os petistas.

Da “Primeira Era”, remanesce o candidato Serra, que vai disputar a presidência da república, apoiado pelos Demos e outros partidos também inexpressivos, e por toda a parcela da mídia nacional, desejosa de seus favores.

Das recentes investidas de Daniéis Dantas, vieram os novos esquemas de corrupção, agora já empacotados com a marca “mensalão do PT”.

Concluímos que, somado o escândalo do panetone dos Demos, estamos bem (sic) servidos de corruptos e de corruptores.

Mas, ainda assim, precisamos achar diferenças para poder resgatar alguém nesta lama toda.

Sabemos que o Brasil já viveu a Era PSDB, de FHC, um intelectual ligeiramente vaidoso, que colocou o Brasil no hall dos países alinhados a americanos e ingleses.

Depois, com um surpreendente desprendimento de seus recalques e preconceitos, o eleitor brasileiro elegeu um Presidente Operário.

A partir deste, que seria (futuro do pretérito) um frágil fantoche nas mãos de Dirceus e Daniéis, o Brasil escreveu uma nova história de desenvolvimento e reconhecimento mundial.

O colunista de Carta Maior, Francisco Carlos Teixeira, afirma que: “É extremamente interessante que o brasileiro de maior destaque no mundo, hoje, seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a recente lista da Time. Daí a resposta das elites: o silêncio!”

Esta “Era Atual” será representada por Dilma Russef, que vai disputar a presidência com apoio do PSB, de partidos menores e da parte menos nobre do PMDB (se é que neste partido sobreviveu alguma parte nobre).

Então, no fundo, teremos mesmo um plebiscito sobre as Eras.

Um plebiscito que envolverá avaliação dos líderes FHC e Lula, e seus representantes na disputa presidencial.

Que os Daniéis vão novamente influir na percepção do eleitor, reabrindo os cofres pós-privatização, movendo toda a máquina mediática, no sentido de suas ambições, isso não tenho dúvida.

Que Lula tentará emplacar sua candidata, usando a força de sua empatia e liderança, não tenho dúvida.

Que o esforço de tucanos e aliados será descomunal, envolverá o trabalho dos brucutus de plantão, como o senhor Eduardo Graeff, encarregado de distribuir informações falsas na internet, isso não tenho dúvida.

Que a situação de Serra está complicada, com o padrinho que ele tem (FHC), sem poder criticar o “líder mais influente do mundo” (segundo a revista Time americana), sem poder propor mudanças num governo que acerta muito e é aprovado por grande maioria da população brasileira, isso tenho certeza.

Para ele, além da grande simpatia que esbanja (sic), resta apelar para a “bala de prata”, sua maior especialidade. Procura-se um escândalo, a qualquer preço. (Lembram-se da Roseana Sarney, cuja filmagem dos seus pacotes de dinheiro ilícito foi manchete do Jornal Nacional da Globo, em transmissão ao vivo?)

E não me venham com fotos de Arruda com Serra, ou dos viadutos do Rodoanel que caíram em cima dos carros, por favor!

* Aluísio Azevedo Jr. é empresário, escritor e cronista.

sábado, 15 de maio de 2010

Mãe do PAC: dadivosa ou castradora?

Por Maria Lúcia Victor Barbosa*

Durante muitos anos o PT construiu, retocou e inflou uma única figura com o propósito de se alçar junto com ela ao poder mais alto da República. Tratava-se do sindicalista Luiz Inácio da Silva que, posteriormente, adicionou ao seu nome o apelido Lula.

Nordestino que se fez politicamente em São Paulo, homem de origem simples, parco em letras, mas dotado de exuberante verborragia e linguajar popularesco, era a imagem ideal a se encaixar num partido que se dizia de esquerda. E, assim, nasceu o mito do representante dos pobres e oprimidos no papel de salvador da pátria, do “proletário” versus o patrão explorador, do paladino da luta de classes.

Depois de breve passagem pela elite da classe operária como metalúrgico, Luiz Inácio passou viver de política sem grandes problemas de sobrevivência, pois até casa um companheiro lhe fornecia.

O PT logrou eleger seu “proletário” deputado federal, cujo desempenho foi medíocre. Mas a meta era mais ambiciosa e, finalmente, na quarta eleição presidencial, a cúpula sindicalista do PT foi ao paraíso. Para trás ficou a ideologia, a classe operária, a propalada ética. Se tinha vindo para mudar o PT fez igual ou pior do que os governos anteriores que duramente criticara. Tornou-se como os demais um partido não de esquerda ou de direita, mas do lado de cima. E o deslumbramento foi tanto que um a um de seus quadros, que poderia suceder ao salvador da pátria ao término de seus mandatos, despencou sob o peso de pesadas denúncias carregadas de escândalo de corrupção.

Sem sucessor a criatura dominou o criador. Já não era Luiz Inácio que dependia do PT para existir, mas, sim, os petistas é que estavam ligados de forma inexorável á única pessoa capaz de manter privilégios alcançados e intrinsecamente ligados ao poder. Desse modo, fez-se a obediência total ao “líder” com algumas cenas de servilismo total e abjeto.

Sem alternativas dentro do partido, Luiz Inácio impôs a candidatura de Dilma Rousseff, sucessora na Casa Civil do todo-poderoso José Dirceu que poderia ter sido o candidato ideal após o período Luiz Inácio. Contudo, como outros companheiros, José Dirceu, chamado por uma autoridade do Judiciário de “chefe da quadrilha do mensalão” e deputado cassado foi obrigado a se recolher em atividades de cunho particular sem, é claro, abrir mão do comando à sombra.

Mulher por mulher para ser presidente, o plano petista possivelmente havia previsto Marta Suplicy. Porém, Marta perdera duas vezes as eleições para prefeita de São Paulo e pior, nas duas vezes fora em vão apoiada por Luiz Inácio. Então, algum marqueteiro inspirado soprou nas orelhas presidenciais que sobrara Dilma Rousseff; que fosse ela a escolhida para formar o par perfeito com o pai dadivoso e amantíssimo, uma espécie de santificado "padim padi Ciço". Pai e mãe, que mais poderia agradar tanto ao povo criança do Brasil, que sente a necessidade de ser tutelado? E assim nasceu a imagem da mãe do PAC.

Se a estratégia de conquistar votos em si foi boa, a teoria na prática é outra. Vestir na mulher de fala dura e arrogante, modos viris, carranca denotando constante mau humor, a fantasia do eterno feminino de doçura, tolerância e sedução, era tarefa que nem Duda Mendonça, que esculpiu o “Lulinha de paz e amor”, seria capaz de fazer.

Além do mais, existe uma ambigüidade na figura materna, que foi bem analisada por Gérard Mendel na obra La Revolte contre le pére, une introduction à la sociopsychanalyse. Menciona o autor “a mãe arcaica, fonte de todos os dons, mas também de todos os males (a mãe cruel, Medéia devoradora dos filhos)... Essa mãe é, portanto, castradora”.

Por suas atitudes e palavreado, pela falta de empatia, Dilma está mais para Medéia. Então, para ocultar a verdadeira personalidade da candidata presidencial os marqueteiros tentam fazer dela a sombra do pai patriarcal, Luiz Inácio, a mulher submissa ao seu senhor, aquela que vive em função dele, que o chama de chefe, que não diz duas palavras sem mencioná-lo, enfim, uma criatura despersonalizada.

Ao mesmo tempo, Rousseff seria uma cópia feminina do pai Lula, típico machão latino-americano que faz sucesso dizendo palavrão, contando piadas pesadas, gracejando o tempo todo como se o Brasil fosse um enorme bar onde ele se sentisse à vontade entre companheiros.

Nessa caricatura de si mesma Dilma Rousseff parece perdida, vacilante, confusa, passando a imagem de incompetência política. Nem a plástica nem os demais retoques físicos a que se submete poderiam mudar sua personalidade. Desse modo, a falsa imagem da candidata é um desastre.

Poderá Rousseff ganhar a eleição? Tudo é possível, sobretudo, quando se leva em conta que tem a seu favor a máquina estatal, eficiente em compra de votos através das bondades presidenciais. É um poderio ilegal, descomunal, antidemocrático que nenhum outro candidato dispõe. Sim, ela poderá ganhar, mas depois não se queixem os eleitores, porque onde Dilma passar nem grama vai crescer.

*Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

domingo, 9 de maio de 2010

O menino limpador de vidros

Por Kennedy Diógenes*


Disputam o nosso espírito, a aspereza do cotidiano e a doçura dos sentimentos, o que nos faz incrementar uma visão, algumas vezes torpe, outras vezes, lúcida, dessa admirável saga humana.

Nessa “vida louca vida, vida breve”, como sintetiza a música de Cazuza, torvelinhos de fatos e obrigações urgentes, muitos desses baseados nos caprichos consumistas e necessidade de autopreservação da sociedade moderna, encobriram a nossa capacidade de discernimento, de distinguir a “impostura da verdade”, calejando nossa alma como calejada é a mão de um trabalhador braçal.

Sabemos que parte desse nosso encouraçamento espiritual se deve a uma série de tragédias corriqueiras como as guerras declaradas e não declaradas, a banalização da vida, aos mega-esquemas de corrupção, a proliferação do tráfico e à ineficiência estatal em vários setores, entre outras desgraças que ganham cor e forma nos noticiários diários, deixando-nos em um estado de dormência coletiva, uma improvável resignação à dor e ao sofrimento alheio.   

No entanto, como se pertencesse a própria programação da vida, de tempos em tempos, fatos inusitados atravessam o nosso caminho como se uma espécie de raio caísse em nossas cabeças, propiciando-nos a rara interrupção desse ritmo frenético, e, por instantes, tudo fica claro.

“É que eu estou com fome”, respondeu um menino de uns 12 anos, em precoce função de limpador de vidros num dos sinais de Natal, quando perguntamos o que fazia ali às 2:00 da madrugada.

Esse foi um dos raios que atingiram nossas cabeças, não somente pelas palavras daquele adolescente, mas pela sua expressão de dor que o fazia franzir a testa; pela angústia que saltava dos olhos; pelo corpo franzino encolhido no canteiro da rua. Tudo nele gritava, implorava, mas ninguém ouvia, enquanto os carros passavam indiferentes, parando bem antes dele, talvez pelo medo de assalto ou porque não queriam ser importunados, acordados de suas vidinhas perfeitas.

O menino limpador de vidros, que se referia à fome do corpo, era a imagem do abandono, do descaso, da indiferença. Sua fome, além do estômago, estende-se às suas inúmeras necessidades materiais, pois lhe faltam educação, moradia, saúde e segurança, a fim de que pudesse ter oportunidade de uma vida digna.

E o Poder Público, onde está? Sabemos que seus agentes saem à noite através das fotos publicadas nas colunas sociais. Será que não conseguem ver várias crianças, em plena madrugada, ao longo das principais avenidas de Natal? Será que ocupavam os carros que paravam distantes dos sinais para evitar a visão de meninos com a mão estendida?

Este Poder, que tudo pode, inclusive ignorar a dor de quem devia proteger, ao omitir-se, rouba o futuro dessas crianças e adolescentes; furta-lhes o direito de viver decentemente; de sonhar e materializar esses sonhos.

Esse menino limpador de vidros também nos fez questionar aonde estávamos quando o primeiro apareceu? Ao cuidarmos dos nossos interesses mesquinhos, permitimos, toleramos, “compreendemos” a inércia, indolência e incompetência administrativa do Estado, que não consegue resolver os problemas sociais, que não consegue atender decentemente os seus cidadãos, apesar da sua sanha de arrecadação de tributos cada vez maior.

Também temos o nosso “mea culpa”. Somos cúmplices do Poder Público, pois, ao fingirmos acreditar e apoiar os discursos oportunistas, populistas, cheios de falsas promessas desses políticos que ocupam cargos públicos há décadas e nada produzem, nada fazemos e, se pudermos, ainda colhemos migalhas das benesses que são distribuídas aos “amigos do Rei”.

Assim, ficou claro que também colocamos todos aqueles meninos nos canteiros do mundo, à margem de uma vida digna, e percebemos que, em algum momento, perdemo-nos nos caminhos que trilhamos, o que nos faz lembrar de Fernando Pessoa, um dos maiores luminares da poesia portuguesa, quando escreveu “A criança que fui chora na estrada / Deixei-a ali quando vim ser quem sou / Mas hoje, vendo que o que sou é nada, / Quero ir buscar quem fui onde ficou”.

E essa compreensão é dolorosa, machuca, mas necessária, pois, como pregava Chico Xavier, “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode recomeçar e fazer um novo fim”.



* Kennedy Diógenes é advogado.


sábado, 1 de maio de 2010

Ciro tentou...


Cristovam Buarque*

A saída do deputado Ciro Gomes da disputa presidencial comprova uma aliança contra o instituto dos dois turnos nas eleições presidenciais.

Uma espécie de conspiração de dois lados: as pressões dos grandes partidos para eliminar a identidade e liberdade dos pequenos, atraindo-os para alianças desde o 1º turno, e a opção da mídia para priorizar aqueles que, desde o início da pré-campanha, estão bem nas pesquisas. E, acima de tudo, não representam ameaça de mudança no rumo das prioridades sociais e das bases da economia.

Essa é uma maneira de driblar a Constituição. Limita-se a participação do povo apenas ao voto. Participar é escolher quais serão esses dois candidatos, votar é escolher entre os candidatos apresentados. No 1º turno, o eleitor escolhe o candidato mais próximo do que ele deseja, no 2º, vota naquele menos distante. Em vez disso, está sendo montado um sistema no qual os eleitores não participam, apenas votam entre os escolhidos pelas alianças prévias, pelos institutos de pesquisas e pela mídia.

Esse processo leva ao fortalecimento de dois grandes blocos, com o impedimento de propostas novas, com a exclusão dos candidatos alternativos. O caso de Ciro é um exemplo. Nenhum candidato alternativo (inclusive o autor deste artigo, nas eleições de 2006) chegou perto de ameaçar os dois primeiros. Ciro ameaçava. Especialmente sem Lula no cenário eleitoral, e com dois principais candidatos pouco inspiradores.

Ciro tinha claras chances de chegar ao 2º turno, mesmo sendo de um partido menor. Sua presença na disputa provocaria um debate que não interessava, e agora não vai ocorrer. Era preciso tirá-lo do páreo. Os dois principais candidatos vão se concentrar naquele que errou menos nos últimos 20 anos, inclusive Itamar, que ambos representam, e não em qual acerta mais com suas propostas para o futuro.

Serra e Dilma são confiáveis ao sistema. Nada mudará, qualquer dos dois que seja eleito. Ficarão iguais as prioridades no uso dos recursos do orçamento e as bases da economia. O futuro do Brasil não será o resultado de nenhuma reorientação, apenas da continuação de pequenos ajustes.

O sistema aprendeu em 1989: Covas, Ulisses e Brizola perderam no 1º turno. Tanto Lula quanto Collor representavam riscos. Optaram pelo menos arriscado e, ainda assim, cassaram o eleito. Nunca mais deixaram o risco acontecer. Em 1994 e 1998, FHC ganhou no 1º turno. Em 2002, um Lula confiável foi ao 2º turno, venceu e comportou-se como o sistema desejava. Sua genialidade política, sua liderança, seu neoglobalismo popular - ou neopopulismo global - permitiram combinar os interesses contraditórios da sociedade, porém sem modificá-la. Uma prova da unidade dos candidatos do sistema é que foi preciso o alerta de Ciro sobre a crise cambial e fiscal que pode vir adiante.

Em 2006, todas as alternativas foram anuladas: Heloísa chegou com apenas 6,85% e o autor deste artigo com apenas 2,64%. Antes disso, o Dr. Enéas - com estilo esquisito, mas conteúdo lúcido - foi ridicularizado da mesma maneira que todos os outros que não estavam na frente, inclusive Ciro, apesar de um eleitorado em torno de 20 milhões de brasileiros.

Ciro tentou, como outros de nós também. Não ganhamos, mas tentamos. Falta ver o que as pesquisas dirão sobre Marina, Plínio e os outros candidatos que consigam se manter: Américo de Souza (PSL), Zé Maria (PSTU), Oscar Silva (PHS), José Maria Eymael (PSDC), Rui Costa Pimenta (PCO), Levy Fidelix (PRTB), e Mário Oliveira (PTdoB), cada um por sua contribuição ao debate.

* Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF.