sábado, 31 de julho de 2010

Veredas Errantes: uma estória que me contaram.

Por Kennedy Diógenes*


De onde venho a distância não se conta por léguas, quilômetros ou qualquer sistema métrico; não se mede o espaço percorrido, mas conta-se em Eras vividas, decênios e séculos imemoriáveis que se perderam no horizonte do tempo.

Nessa longa jornada, que pareceu se iniciar na displicência do acaso, germinada na simplicidade das formas, caminhei ladeado pela necessidade e pelo desejo de poder, estes esporões desprovidos de moral que fustigaram o meu espírito, açularam-me os passos e me infringiram a prática de vilanias impensáveis por mim, contra mim e contra os muitos companheiros de viagem.

Em busca de saciar a minha sede de poder, corrompi a mente e o corpo, entreguei-me às violentas paixões da matéria e, unindo-me aos mais fortes, não tive prurido em apropriar-me dos mais sagrados ideais para justificar a expropriação espúria dos mais fracos, que me fartaram a mesa enquanto se esvaíam na caquexia material e espiritual.

E os sacrifícios daqueles que me serviram restaram em irrisão para animar a minha Corte. Como prêmio, os desvalidos obtiveram o cárcere perpétuo das obrigações diárias sob minha tirania, para me manterem vivo, satisfeito, pujante, em troca do oferecimento ilusório de um manto protetivo das intempéries humanas.

Investido da arrogância própria dos poderosos, liderei aqueles que me confiaram a vida à morte certa, em guerras iníquas baseadas em interesses mesquinhos. Muitos tombaram nas trincheiras da esperança acreditando nas minhas falsas promessas, mas somente fortaleciam meus viscerais interesses e enriqueciam os meus amigos mais próximos. Jamais houve guerras contra a tirania ou pela liberdade, mas por território, por tesouros naturais ou por mercados. Não existiu o bom combate, mas o ataque dos fortes e a defesa dos fracos, onde aqueles venciam e estes eram aniquilados.

Foi assim que enveredei pelos vales das sombras humanas, granjeando a experiência terrível da manipulação e usurpação. Mais de uma vez, iludi o meu aprisco com placebos morais; frustrei a esperança daqueles que dependiam de mim; trai todos aqueles que em mim depositaram sua confiança, em joguetes indecorosos para a minha própria distração.

É bem verdade que posso ter feito algo de bom e justo, mas se o fiz, foi para encobrir os males fabricados nos porões da minh´alma. Doei com uma mão, mas roubei com a outra os sonhos, as fantasias, as expectativas dos incautos e crédulos, construindo em meu derredor castelos de desilusões.

Mas, inesperadamente, o meu organismo infausto e insaciável feneceu. Envolvido com meus projetos de poder material, não notei que se esvaiu, da ampulheta temporal, o último grão de vida, ceifando-a mais uma vez no palco do mundo visível. E em um tempo que não saberia precisar, fragmentos dessa minha trajetória recém finda pairaram diante de minha vista. Vi, com uma lucidez ora revelada, que as minhas ações, sejam esteadas na ganância, no orgulho ou em qualquer outro defeito moral de meu espírito pródigo, carrearam dor e sofrimento a muitos, e a cada lamento, cada lágrima desses infelizes, causticou meu coração insensível, transformando-o em uma chaga de mágoa profunda e irretorquível.

E como prolongamento da vereda errante desta encarnação, seguiu-se um período de escuridão espiritual, onde curti pensamentos e rancores vacilantes, ora do Criador, ora de mim mesmo, vivenciando o cárcere mental erigido, pedra por pedra, no torvelinho terreno.

Tardiamente, encolhi-me na minha insignificância. Naquele instante, era somente um arremedo de homem. Restou-me a vergonha intensa, inescusável. Percebi que a maioria dos meus planos materiais não passava de mero capricho, atos rasteiros e toscos, vãs futilidades diante da vida espiritual. É incrível como a consciência de todo o mal causado é a mais horrenda das punições.

Ao compreender o resultado dos meus desacertos, nas trevas em que morria, uma luz bruxuleou no Alto. Era a benevolência Divina, através de seus mensageiros iluminados, que resgatava-me da condição umbralina, imantando o meu espírito de bálsamos salutares e lembrando-me, percuciente, que me conhece a amplidão das limitações e potenciais e, mesmo assim, ama-me incondicionalmente.

Disseram-me, ainda, que é nesse amor universal, pleno, sagrado, sustentáculo dos desiludidos, desesperançados, amargurados, que o Pai nos ampara, fazendo-nos recomeçar e reparar nossos erros, em novas tarefas edificantes na escola terrestre.

Assim, aquele passado triste e vergonhoso, cujos dias atuais se somam lentamente, distancia-se de mim, como uma eiva que se clarifica ante a ação do tempo, mas não sem cobrar-me cada centil.

Enfim, confiando no Pai Celestial, que acolheu meu espírito exausto, e em Jesus Cristo, Mestre Divino, que compartilha comigo minha cruz, espero, em breve, poder vivenciar as provações em nova ventura na Terra, que visam o meu inexorável progresso espiritual, depositando, sempre, nas mãos Deles todos os meus medos e angústias.

Natal/RN, 21 de julho de 2010.

* Kennedy Diógenes é Advogado.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Por não ser petista...

Por Marcelo Tas*

Por não ser petista, sempre fui considerado "de direita" ou "tucano" pelos meus amigos do falecido Partido dos Trabalhadores.

Vejam, nunca fui "contra" o PT. Antes dessa fase arrogante mercadântica-genoínica, tinha respeito pelo partido e até cheguei a votar nos "cumpanheiro". A produtora de televisão que ajudei a fundar no início da década de 80, a Olhar Eletrônico, fez o primeiro programa de TV do PT. Do qual aliás, eu não participei.

Desde o início, sempre tive diferenças intransponíveis com o Partido dos Trabalhadores. Vou citar duas.

Primeira: nunca engoli o comportamento homossexual dos petistas. Explico: assim como os viados, os petistas olham para quem não é petista com desdém e falam: deixa pra lá, um dia você assume e vira um dos nossos.

Segunda: o nome do partido. Por que "dos Trabalhadores"? Nunca entendi. Qual a intenção? Quem é ou não é "trabalhador"? Se o PT defende os interesses "dos Trabalhadores", os demais partidos defendem o interesse de quem? Dos vagabundos?

E o pior, em sua maioria, os dirigentes e fundadores do PT nunca trabalharam.
Pelo menos, quando eu os conheci, na década de 80, ninguém trabalhava. Como não eram eleitos para nada, o trabalho dos caras era ser "dirigentes do partido". Isso mesmo, basta conferir o currículum vitae deles.

Repare no choro do Zé Genuíno quando foi ejetado da presidência do partido. Depois de confessar seus pecadinhos, fez beicinho para a câmera e disse que no dia seguinte ia ter que descobrir quem era ele. Ia ter "que sobreviver" sem o partido. Isso é: procurar emprego. São palavras dele, não minhas.

Lula é outro que se perdeu por não pegar no batente por mais de 20, talvez 30 anos... Digam-me qual foi a última vez, antes de virar presidente, que Luis Ignácio teve rotina de trabalhador? Só quando metalúrgico em São Bernardo. Num breve mandato de deputado, ele fugiu da raia. E voltou pro salarinho de dirigente de partido. Pra rotina mole de atirar pedra em vidraça.

Meus amigos petistas espumavam quando eu apontava esse pequeno detalhe no curriculum vitae do Lula. O herói-mor do Partido dos Trabalhadores não trabalhava!!!
Peço muita calma nessa hora. Sem nenhum revanchismo, analisem a enrascada em que nosso presidente se meteu e me respondam. Isso não é sintoma de quem estava há muito tempo sem malhar, acordar cedo e ir para o trabalho. Ou mesmo sem formar equipes e administrar os rumos de um pequeno negócio, como uma padaria ou de um mísero botequim?

Para mim, os vastos anos de férias na oposição, movidos a cachaça e conversa mole são a causa da presente crise. E não o cuecão cheio de dólares ou o Marcos Valério.
A preguiça histórica é o que justifica o surto psicótico em que vive nosso presidente e seu partido. É o que justifica essa ilusão em Paris...misturando champanhe com churrasco ao lado do presidente da França...outro que tá mais enrolado que espaguete.

Eu não torço pelo pior. Apesar de tudo, respeito e até apoio o esforço do Lula para passar isso tudo a limpo. Mesmo, de verdade.

Mas pelamordedeus, não me venham com essa história de que todo mundo é bandido, todo mundo rouba, todo mundo sonega, todo mundo tem caixa 2...

Vocês, do PT, foram escolhidos justamente porque um dia conseguiram convencer a maioria da população (eu sempre estive fora desse transe) de que vocês eram diferentes. Não me venham agora querer recomeçar o filme do início jogando todos na lama.

Eu trabalho desde os 15 anos. Nunca carreguei dinheiro em mala. Nunca fui amigo dessa gente.

Pra terminar uma sugestão para tirar o PT da crise. Juntem todos os "dirigentes", "conselheiros", "tesoureiros", "intelectuais" e demais cargos de palpiteiros da realidade numa grande plenária.
Juntos, todos, tomem um banho gelado, olhem-se no espelho, comprem o jornal, peguem os classificados e vão procurar um emprego para sentir a realidade brasileira.

Vai lhes fazer muito bem.

E quem sabe depois de alguns anos pegando no batente, vocês possam finalmente, fundar de verdade um partido de trabalhadores.

* Marcelo Tas é jornalista, autor e diretor de TV. Entre suas obras destacam-se; participação na criação das séries "Rá-Tim-Bum", da TV Cultura e o "Programa Legal", na TV Globo. Atualmente é âncora do CQC, editado pela TV Band ( www.band.com/cqc ).

** Texto publicado originalmente no Blog de Marcelo Tas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A Estrela das Eleições

Por Paulo Linhares*

Sempre que num jogo de futebol o árbitro começa a aparecer muito, correndo para lá e para cá, a fazer trejeitos e caretas, apitando todas as faltas, com paralisações da partida futebolística a todo instante e distribui uma chuva de cartões amarelos e vermelhos indistintamente, já se sabe no que resultará: um feio espetáculo.

Ao revés, o bom árbitro é aquele que impõe uma bom clima, um nível elevado e um certo ritmo ao jogo, porém, jamais aparece, deixando o espetáculo desportivo se desenvolver plenamente. Deve estar em campo como um bom fantasma - porque não devemos vê-lo de fato - que a tudo percebe e prontamente age.

Recentemente vimos os dois exemplos na Copa da Fifa de 2010, realizada na África do Sul: partidas bem conduzidas, partidas em que foram cometidos pelas arbitragens erros clamorosos, descabidos até nas peladas de várzea. A despeito dos enormes recursos tecnológicos de captação de imagens, a conservadora Fifa decide apostar, ainda, nos sentidos humanos, de modo que aquilo não visto pelo árbitro e seus auxiliares está foro do mundo. E do jogo. Que fazer? Nada, somente esperar que a partida acabe.

Essa história dos jogos de futebol é uma boa metáfora para expressar o sentimento de um conjunto cada vez maior de cidadãos preocupados com os rumos que vêm tomando os processos eleitorais que bianualmente ocorrem no Brasil, na medida em que neles cada vez ganha mais espaço aqueles órgãos cuja missão é manter a eficiência, integridade, transparência e legitimidade das eleições: A Justiça e o Ministério Público Eleitoral.

Com efeito, vêm recebendo, sobretudo a Justiça Eleitoral, uma parcela de poder bem maior do que seria razoável e que a coloca no centro da cena política, na condição de prima-dona do processo eleitoral e mesmo da democracia, papel que deveria caber, mais adequadamente, aos partidos políticos que, na visão de Antonio GRAMSCI, no seu Note sul Machiavelli, sulla política e sullo stato moderno (Maquiavel, a política e o estado moderno. Einaudi ed. Milão, 1949), seria o moderno príncipe, o legítimo substituto dos velhos condottieri de que falava o mestre florentino n'O Príncipe. Segundo Gramsci, "Il moderno principe, il mito-principe non può essere una persona reale, un individuo concreto, può essere solo un organismo; un elemento di società complesso nel quale già abbia inizio il concretarsi di una volontà collettiva riconosciuta e affermatasi parzialmente nell'azione.Questo organismo è già dato dallo sviluppo storico ed è il partito politico, la prima cellula in cui si riassumono dei germi di volontà collettiva che tendono a divenire universali e totali", ou seja, numa tradução livre: "O moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto, só pode ser um organismo, um elemento complexo da sociedade, que já começa a se materializar uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação. Este organismo já dado pelo desenvolvimento histórico é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais".

Em suma, as estrelas das eleições devem ser os partidos, que catalisam os elementos que formam a vontade geral. Forçando um pouco, também, estrelas podem ser os candidatos, que dão concretude, rosto e voz, à representação política. Nunca, jamais mesmo, podem ser as estrelas de qualquer eleição a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral, sob pena de desnaturá-la.

A excelência da atuação de ambos os organismos públicos referidos é a discrição com que atuam para coibir os vícios do processo eleitoral, no combate ao abuso do poder político e econômico nas eleições, com eficiência, severidade, transparência, economicidade e zelo pelas instituições democrática, de modo a permitir que a vontade do cidadão-eleitor flua livremente para que se possa haurir, a partir dela, toda a legitimidade necessária para a edificação dos governos e a ordenação dos parlamentos, dos organismos judiciários e demais organismos republicanos.

Enfim, são os garantes das eleições, posto que devam ficar um pouco na penumbra dos bastidores enquanto partidos e candidatos cumprem, no palco, no cenário republicano,a performática jornada da democracia, tudo para encantar (ou iludir?) aquele embevecido espectador que ocupa o camarote principal: sua majestade, o Povo, a estrela maior de todas as eleições.

* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público Geral do Estado, professor e escritor.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O príncipe e seus Maquiavéis

Por Públio José*

Causa admiração e espanto a capacidade que certos políticos têm de se fazer rodear por pessoas de caráter não recomendável. Tomo, por exemplo, empresários e outras lideranças que conheci e que, de repente, decidiram trilhar os caminhos da vida pública.

Antes de tomarem tal atitude, eram pessoas confiáveis, dessas de quem você receberia um cheque sem problemas e com as quais você não encontraria dificuldade em negociar, no mercado financeiro, um título de sua emissão.

Mas, a partir do momento em que se declararam candidatos a alguma coisa, passaram a se cercar de pessoas de conduta duvidosa e a praticar ações nem sempre dignas do nome e do respeito que antes ostentavam. Não sei se essa é uma questão global, universal, ou se é “privilégio” apenas dos políticos brasileiros. Afinal, o homem é homem em qualquer lugar do planeta. Acontece, porém, que nosso voto só tem validade no Brasil.

Daí, não ser preciso que essa análise se estique além fronteiras. Certa vez – na qualidade de estudante de jornalismo – presenciei um colega de turma perguntar a um político de renome o motivo dele manter ao seu redor tanta “catraia moral”, tanto mau caráter. Sorrindo, o homem público respondeu com outra pergunta: “Você faria por mim o que eles fazem?” Dá prá ranger os dentes, não é verdade? É interessante se notar que o eleitor brasileiro tem dado pouca importância aos valores (ou desvalores) morais que compõem a equipe dos candidatos. Pior ainda é observar que o brasileiro encara de forma bastante natural o conceito que emana de alguns políticos de ontem e de hoje de que “rouba, mas faz”. Porque pensam assim os eleitores? Ou por outra, porque são levados a votar, a confiar seu voto em quem se reveste dessa imagem? Ao que parece, existe no eleitor brasileiro uma descrença...

Uma incredulidade tão grande relacionada à ação política, que ele – por falta de alternativa – lança seu voto muitas vezes num cesto até infecto, esperando sair dali algum projeto político que, mesmo duvidoso, lhe soe, a seu ver, de algum proveito.

Às vezes, para despertar o eleitor de tamanha letargia, é necessário o surgimento de uma verdadeira hecatombe, como no bota-fora de Collor, para que valores nobres, realmente de respeito venham a ser exteriorizados e praticados em favor de todos. Será que não é chegado o momento de analisarmos também o grau de moralidade, de seriedade, de honestidade, que habita o palanque dos atuais candidatos, ao invés de nos atermos tão somente à excelência das propostas e do conteúdo dos discursos? Jogo é jogo, treino é treino, já dizia Nenê Prancha.

A humanidade em geral, e o Brasil em particular, já perderam demais em razão da existência, em excesso, de verdadeiros maquiavéis aboletados na assessoria de políticos, em cargos de primeiro escalão, nas cozinhas palacianas e – principalmente – nas mentes de homens públicos. Gerando que tipo de fruto? Rasputin que o diga, Paulo César Faria também, Gregório Fortunato idem, como também Goebels e toda corja sádico-lunático-psicótica que arrodeava Adolfo Hitler.

Foi produto de assessoria mal cheirosa, da presença dos maquiavéis da vida, o surgimento de episódios que até hoje envergonham o caminhar de nações até ditas respeitáveis. Num “belo exemplo” do que estamos falando, um tenente americano, em cenas vistas pela televisão, encheu de cadáveres de inocentes vietnamitas a sala de jantar, até então impecável, da classe média americana. Nixon viu rolar escada abaixo o seu projeto de ser tido como estadista pelas traquinagens feitas por assessores seus no escritório político dos outros. Militares brasileiros rasgaram a Constituição ao enfiarem goela abaixo da opinião pública nacional o fechamento do Congresso e a edição do AI-5. Os argentinos, entre outros tangos amargos que vêm dançando ao longo de sua história, sentiram o sabor humilhante da derrota na Guerra das Malvinas. Ah, os assessores! Os maus, bem entendido.

O problema também – é bom ressaltar – é que muitas vezes o próprio candidato é quem conduz o fio da malandragem, safadeza, maldade e despropósito público até a mente dos seus assessores mais próximos, compondo assim uma verdadeira “Família Adams do Terror Político”, ou melhor, uma verdadeira quadrilha a espezinhar e perverter os mais elementares princípios voltados para o respeito e a preservação do patrimônio coletivo. O que cabe ao eleitor fazer? Que papel está reservado às massas votantes nesse enorme palco político-eleitoral brasileiro? Assistir o desenrolar da peça para ver no que vai dar, ou entrar em cena e expulsar, com seu voto, os que destoam do figurino que queremos desenhar para o Brasil?

Está na hora de pensar, de refletir, e passar a olhar com lentes de aumento – e bote aumento nisso – a composição dos palanques da atual campanha. Tanto nos níveis estaduais, como no plano nacional. Tem candidato que é exímio em fazer você ficar olhando só para ele, querendo hipnotizá-lo para, assim, impedi-lo de constatar o que está por trás de si. Seja mais esperto. Veja os palanques de lado, por baixo, por cima, por todos os ângulos. Veja quem está no primeiro, segundo e terceiro planos. Analise bem para depois votar. Agindo assim você estará, com certeza, contribuindo para diminuir bastante o número de maquiavéis da vida pública brasileira. Riscá-los do mapa já seria querer demais.

* Públio José é jornalista e escritor.

sábado, 17 de julho de 2010

Fragilidades do Brasil

Por Osíris Silva*

Há diversas formas de se observar a economia do Brasil. Do ponto de vista do crescimento industrial, do movimento da Bovespa (e a consequente atração de capital estrangeiro) e da melhoria da renda em certas camadas da população. Pode-se analisá-la via expansão do crédito e do consumo internos, dos ganhos (monumentais) dos bancos - na verdade, nunca antes na história deste país ganharam tanto dinheiro (ironia das ironias!).

A partir desse conjunto, tem-se a impressão de que caminhamos para nos tornar uma das maiores economias do mundo. Do ponto de vista infraestrutural, contudo, o cenário que se nos afigura ainda está muito distante da realidade dos países desenvolvidos, aqui entendido em seu conceito amplo, não apenas no da renda per capita.

Tomando-se por base o total de bens e serviços produzidos pelo país, o PIB – Produto Interno Bruto por habitante no Brasil, segundo o Banco Mundial, dados de 2008, é de US$ 8.295,00 (cerca de US$10 mil no ano em curso). Na Europa, a despeito da crise, situa-se, com exceção de Portugal e Grécia, acima de US$ 32 mil. Nos Estados Unidos o PIB per capita é superior a US$ 46 mil e no Japão superior a US$ 38,5 mil, ainda com base em números de 2008, do World Bank.

Naquele ano, a economia brasileira representava 2,58 % do PIB mundial, situando-se em 10º lugar. O Canadá, na 11ª posição (2,46% do PIB mundial), ostenta um PIB por habitante da ordem de US$ 45,5 mil, contra US$ 8.295,00 do Brasil. Na China, que puxa o crescimento do Planeta, sua economia representa 7,1% do PIB mundial (2,75 vezes a do Brasil), enquanto sua Renda per capita é de apenas US$ 3.259,00 (39,2 % da brasileira).

Brasil, Rússia, China e Índia (os Brics) estão entre as 12 maiores economias do mundo, conforme demonstra o quadro abaixo:

As doze maiores Economia mundiais

Países Participação do PIB PIB per capita

mundial em dólar (%) (em US$)


1º EUA              23,71           45.859

2º Japão              8,06           38.559

3º China              7,10             3.259

4º Alemanha        6,03           44.660

5º França            4,71           46.015

6º Reino Unido    4,40          43.785

7º Itália                3,80          38.996

8º Rússia             2,75          11.806

9º Espanha          2,63          35.116

10º Brasil            2,58           8.295

11º Canadá         2,46         45.428

12º Índia             1,98           1.017

(Fonte: FMI, Banco Mundial, OCDE e OMC – 2008)

China e Canadá constituem situações emblemáticas. Enquanto o primeiro desponta como a terceira economia do mundo, com um PIB por cabeça de US$ 3.259,00, no Canadá, que se encontra na 11ª posição, o PIB per capita é de US$ 45.428,00, quase 14 vezes maior que o chinês. Observa-se, por tais indicadores, a brutal diferença de qualidade de vida entre um país e outro. Posição no ranking da economia mundial, portanto, não constitui parâmetro muito consistente quando se pretende analisar grau de desenvolvimento de um país.

Do lado brasileiro, gravíssimas distorções (algumas alinhadas abaixo) continuam afetando o desempenho de nossa economia e a impedir o país de ascender em definitivo à categoria dos desenvolvidos. Alguns desses gargalos, com os quais governo e sociedade, ao invés de se dedicar a jactâncias e gabolices baratas deviam seriamente estar se preocupando em solucioná-los por meio de medidas de austeridade fiscal.

Efetivamente, o Brasil precisa urgente de um planejamento estratégico de longo prazo que privilegie investimentos em educação, em saúde publica, em infraestrutura, em saneamento básico (indisponível a mais de 50% das cidades brasileiras), em segurança, e em pesquisa, desenvolvimento de tecnologias e inovação (PD&I).

Examino superficialmente, a seguir, alguns desses pontos que tornam vulnerável a economia brasileira.

Correios – Disputas internas graves vêm prejudicando seriamente o desempenho da empresa, em estágio de franco declínio. Seu lucro, em decorrência da crise que enfrenta, tem sido os menores do atual governo, basicamente decorrente do “rombo” que vem se verificando na “Postalis”, o fundo de pensão de ECT. O grave para a população e o mundo empresarial é a brutal queda de eficiência que vem se verificando. UM Sedex, saído de Manaus, demora 5 dias para chegar a S. Paulo, por exemplo. Os serviços caíram de qualidade comprometendo a imagem desta que até anos atrás era uma das empresas públicas que mais orgulhava o brasileiro.

Danos severos - de uma coisa pode-se ter certeza: é incompatível o uso de organismos públicos para acomodação de correntes políticas. O aparelhamento da máquina traz como conseqüência seu inchamento. Processo que decorre da necessidade de acomodar cabos eleitorais e companheiros da base sindical e estudantil - a famosa militância, que precisa ser recompensada com nacos dos espólios da vitória de campanha. Aqui a situação é geral, não restrita a apenas a uma corrente partidária.

Tais práticas, como no caso, respondem por imensos estragos, quase irreversíveis, causados a uma empresa altamente vinculada ao povo brasileiro. Aparentemente, esquecem-se os governantes de que empresas públicas não pertencem a grupos e partidos políticos instalados no poder, como também não são de propriedades de seus partidários. Pertencem, sim, ao povo, ao país, à sociedade como um todo. Convicções políticas, credos, cor da pele ou raça não podem interferir no seu funcionamento. Os países desenvolvidos separam bem as duas coisas, por isso são organizados. Sua máquina pública funciona independentemente de que esteja no poder o partido Azul, Vermelho ou Amarelo.

Aeroportos – enquanto os índices de crescimento dos vôos domésticos saltaram, sobre o ano anterior, de 12,3% em 2006 para estimados 30% em 2010 e 49% em 2014, os aeroportos permanecem praticamente do mesmo tamanho, relativamente à capacidade de pousos e decolagens dos 5 maiores do país. Conforme diagnóstico levado a efeito pela Infraero e Bndes, encontram-se saturados praticamente todos os aeroportos brasileiros, considerando terminal de passageiro, pátios de estacionamento e pistas de decolagem e pouso. Dá para corrigir o problema? Dá. Ao custo estimado de R$ 5,5 bilhões de reais até 2014. Claro que se tal valor houvesse sido diluído pelos últimos 10 anos, a situação aeroportuária do país seria outra bem diferente.

Eliminação da pobreza – segundo estudos recentes da FGV-Rio e Dieese, a pobreza no Brasil, no período de 2003 a 2009, reduziu-se em 43%. Ascenderam às classes ABC 31,9 bilhões de cidadãos. De 2010 a 2014 mais 36 milhões de pessoas serão deslocadas a essas classes de renda (ABC). Outros dados animadores oriundos dos mesmos estudos: 67% da distribuição de renda rovêm da renda do trabalho, 17% de programas sociais, 15,5% de benefícios previdenciários e 0,5% de outras rendas.
Ainda de acordo com a Fundação Getúlio Vargas-Rio, o número de pobres, de 2003 até o ano passado (governo Lula), caiu 19,4 milhões. O estudo revela haver no Brasil 29,9 milhões de pessoas pobres (16% da população), dos quais 14,5 milhões, em torno de 8% da população, deverão deixar de sê-los. A questão, ao que me parece, numa análise fria dos números, é a que se refere ao conceito de pobreza ali considerado. Pobre, para a FGV-Rio, “é a pessoa com renda familiar percapita abaixo de R$ 137,00.

Considerando que o Salário Mínimo (SM) este ano é de R$ 510,00 (R$ 468,91 em 2009), e que essa renda é absolutamente insuficiente para manter uma família de casal mais dois filhos (ou mesmo de um ou ainda só para o casal), evidentemente o dado estatístico esconde a real situação da pobreza no país. Quem poderá sobreviver com um ganho de R$ 137,00 por um mês? Com certeza é melhor do que “zero” de rendimento, mas, ao que sou levado a intuir, os números relativos à redução da pobreza no Brasil são no mínimo fantasiosos.

O dado concreto é revelado no mesmo estudo da FGV-Rio. O SM de 2010 apenas equivale ao de 1986 (governo Sarney), de R$ 517,22, que despencou para R$ 298,74 em 1990; daqui para R$ 269,50 em 1992 (era Collor de Melo), só voltando a subir, para não interromper o comportamento do dado, a partir de 1995, no governo FHC. Como se depreende, em nenhum momento da história o Brasil teve um Salário Mínimo inferior a R$ 140,00.

Ufanismos exacerbados e manipulação de dados estatísticos constituem a meu ver a base ficcional mais deletéria em relação à economia de um país. O Brasil não precisa escamotear verdades. O país atravessou muitas turbulências políticas e dificuldades econômicas após o início do período da redemocratização em 1985. Não há demérito em reconhecer a realidade. Apenas evidencia espírito público e comprometimento com a história. Grandeza nasce em companhia da verdade.

* Osíris Silva é economista, consultor de empresas, produtor agrícola e ex-Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, e da Fazenda, do Amazonas.

domingo, 11 de julho de 2010

Entrevista da Folha.com: Min. Ricardo Lewandowski - Presidente do TSE

Por Valdo Cruz e Felipe Seligman*

Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Ricardo Lewandowski avalia que um adiamento da Lei da Ficha Limpa seria uma "frustração" para a sociedade, mas diz ter "convicção de que a lei vingará" mesmo passando pelo crivo do Supremo Tribunal Federal e barrará os candidatos "fichas-sujas".

Em sua opinião, candidatos com a ficha suja que conseguirem liminares para disputar a eleição estão com as campanhas em risco.

"Faz parte do dia a dia da Justiça Eleitoral [concessão de liminares suspendendo efeitos de uma lei]. A mesma situação pode ocorrer com aqueles que não tenham a ficha limpa, mas farão sua campanha por sua própria conta e risco."

Em entrevista à Folha, Lewandowski defendeu uma reforma política que acabe com o "pluripartidarismo exacerbado" no Brasil e proíba o financiamento privado de campanhas --que "pode representar um elemento perturbador e de corrupção das eleições".

Ele chega a sugerir que, a médio prazo, só pessoas físicas sejam autorizadas a doar quando for popularizada as doações pela internet.

Defensor da verticalização dos palanques eletrônicos, medida que ameaça tirar Lula e Serra de programas regionais do horário gratuito de TV, Lewandowski sinaliza que o tribunal recuará em agosto. "Pessoalmente, até como cidadão, sou simpático à ideia da verticalização. Mas devo reconhecer que ela não existe mais no Brasil, porque foi alterada por uma emenda constitucional."

O presidente do TSE reconhece que é "frustrante" e "insatisfatório" para o cidadão e para a Justiça que os processos de cassação de políticos sejam julgados no final de seus mandatos.

Árbitro de várias multas aplicadas aos candidatos por propaganda antecipada, ele critica o curto espaço reservado para a campanha formal. Para ele, ela deveria começar em janeiro, "mas é preciso regulamentar, não admitir o uso da máquina administrativa."

A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha:

O TSE determinou que o Ficha Limpa vale para este ano, mas candidatos estão recorrendo ao STF. Dois ministros já concederam liminares, outros dois recusaram. O sr. teme que a Lei do Ficha Limpa não vingue?

Essas liminares concedidas favorecendo determinados políticos estão previstas na própria Lei da Ficha Limpa, que prevê o efeito suspensivo. O TSE afirmou por uma expressiva maioria, de seis a um, que a lei é constitucional, que se aplica a essas eleições gerais e a fatos pretéritos, porque trata de condições de elegibilidade. Portanto, já há um pronunciamento da corte máxima da Justiça Eleitoral. Eventualmente um ou outro aspecto dela pode ser questionado no STF.

O sr. tomou decisões a favor dessa lei negando recursos de candidatos. É uma sinalização da Justiça Eleitoral de que a Lei da Ficha Limpa é para valer?

O juiz faz justiça ao caso concreto. Os sete casos que examinei não apresentavam plausibilidade jurídica que permitisse a concessão do efeito suspensivo.

A eleição está começando, há candidatos que têm incompatibilidade com a lei da Ficha Limpa e já estão recorrendo. Corremos o risco de candidatos serem eleitos mesmo assim. Qual a mensagem que pode ser passada para o eleitor?

É uma situação bastante comum, faz parte do cotidiano da Justiça Eleitoral. Alguém, com uma liminar, concorre, é eleito, depois o caso é julgado definitivamente e tem seu diploma cassado. A mesma situação eventualmente pode ocorrer com aqueles que não tenham a ficha limpa. Podem obter uma liminar, um efeito suspensivo, ter seu registro deferido, mas farão sua campanha por sua própria conta e risco.

O sr. não pode falar por seus colegas do STF, mas sua expectativa é que a lei vingue ou teme que não?

Totalmente. Primeiro, foi uma lei com amplo respaldo popular, nasceu de uma iniciativa legislativa popular, contou com mais de 1,6 milhão de assinaturas. O Congresso, em suas duas casas, aprovou por uma votação absolutamente maciça. Essa matéria foi examinada pelo plenário do TSE. Portanto, passou por vários crivos e penso, inclusive nossa decisão aqui baseou-se em decisões do STF, que deram pela constitucionalidade da lei 64/90, que também tratava de inelegibilidade e também sobre precedentes de que essa lei complementar se aplicava imediatamente. Então, tenho a convicção de que essa lei vingará mesmo passando pelo crivo do Supremo Tribunal Federal.

É possível dizer que políticos com ficha criminal incompatível com a lei, mesmo que consiga uma liminar, a hora deles vai chegar?

Vai chegar, sem dúvida nenhuma. Se alguém tiver agora o registro indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral, que nessas eleições é feito por eles, pode eventualmente obter um efeito suspensivo. Mas como diz o próprio nome simplesmente suspender uma decisão final, quando ela vier, for pronunciada, o candidato corre o risco, se não tiver sucesso na decisão final, de perder seu mandato.

Pelas suas declarações, a favor da lei, entendo que o sr. avalia que será uma frustração para o eleitor caso a lei não vingue?

É possível que haja uma frustração da sociedade, que apoia maciçamente essa lei. Mas acho que a lei já vingou, já está em plena vigência. A única coisa que eventualmente se pode cogitar, no STF, é da sua aplicação imediata em função do princípio da anualidade previsto no artigo 16 da Constituição, que estabelece que todas as regras que modifiquem o processo eleitoral só entrem em vigor nas eleições subsequentes, depois de um ano. Entendemos que, em face dos precedentes do próprio STF, não havia esse risco. Como disse, quando analisou a lei complementar 64/90, o Supremo entendeu que ela se aplicava imediatamente.
Outra questão que pode ser discutida é da presunção de inocência. Mas quando o Supremo se debruçou sobre essa matéria não havia nenhuma lei disciplinando o possível indeferimento dos candidatos que tenham a ficha suja. Mas agora a situação mudou, porque o próprio artigo 14, parágrafo 9º da Constituição, estabelece que uma lei complementar poderá estabelecer algumas hipóteses de inelegibilidades além das previstas na Constituição.
E, de outra parte, existem dois valores a serem considerados. Existe um valor fundamental, que está inscrito no rol das garantias individuais, o da presunção de inocência. Mas existe outro valor fundamental, da moral administrativa, que também está na Constituição, no rol dos direitos políticos, no mesmo artigo. Então, quando o Supremo for se debruçar, se é que vai se debruçar sobre essa questão, terá de ponderar esses dois valores. O da moralidade administrativa de um lado, aplicado às eleições, que é um direito fundamental, e de outro a presunção da inocência, que se aplica fundamentalmente ao processo penal.

A lei do Ficha Limpa é uma novidade no pleito atual. Nessa linha, qual outra iniciativa deveria ser tomada para as próximas eleições como avanço institucional na busca da moralidade que o sr. levantou?

Em primeiro lugar, eu acredito que as mudanças sociais não são feitas a partir de mudanças legislativas. Temos muito uma visão bacharelesca da sociedade, no sentido de que podemos mudar a sociedade a partir de penadas legislativas. A mudança tem de ser cultural, a sociedade tem de escolher os melhores candidatos, mais comprometidos com o bem comum, com o interesse público. De outra parte, devo reconhecer que nós precisamos de uma reforma política mais ampla. Não digo a reforma do processo eleitoral, essa é necessária, precisa ser feita, precisamos diminuir o número de recursos, porque hoje os processos eleitorais se eternizam. Muitas vezes um político é cassado e, em função dessa multiplicidade do número de recursos, só sai quase ao término do seu mandato. Isso é amplamente insatisfatório e frustrante tanto para a cidadania quanto para a Justiça.

Como acabar com isso?

Isso tem de acabar e já está sendo providenciado, o próprio Legislativo está consciente de que é preciso mudar a legislação eleitoral. Mas há uma reforma mais ampla que precisa ser feita que é a política. Em que se vai discutir, em primeiro lugar, esse pluripartidarismo exacerbado, temos 27 partidos políticos no Brasil, um número inusitado comparado com as democracias mais avançadas no mundo, em que há quatro ou cinco partidos se distribuindo dentro do espectro político, tendo como extremos a esquerda e a direita, passando pelo centro.
Essa é uma questão que precisa ser discutida, precisamos meditar sobre a cláusula de barreira. O Supremo considerou inconstitucional a que existia, entendeu que os critérios eram antiisonômicos, que criavam dificuldades para a livre expressão do pensamento político. É preciso repensar isso e imaginar uma nova cláusula de barreira para diminuir um pouco o número grande de partidos.

O que mais?

Temos de discutir a questão do voto obrigatório ou facultativo. Eu já me pronunciei no sentido de que, nesse momento histórico, temos de ter o voto obrigatório. Somos ainda uma democracia em fase de amadurecimento, temos então que fazer com que o eleitor compareça maciçamente às urnas para dar legitimidade aos eleitos. Depois, temos a questão do financiamento das campanhas, público ou privado, ou misto.

O que o sr. defende?

Num determinado momento, tendo em conta as distorções que advieram do financiamento maciço do setor privado, e entendo que isso pode representar de acordo com a situação até um elemento perturbador e de corrupção mesmo das eleições, eu pendi no sentido de entender que deveríamos favorecer o financiamento público de campanha. Mas com as eleições presidenciais norte-americanas ocorreu um fenômeno novo, pouco estudado ainda, que é o financiamento feito gota a gota pelo eleitor, por meio da internet, do telefone, em que ele com uma pequena quantia de dinheiro financia o candidato de sua preferência. A campanha do Obama foi feita em grande parte com base nessas contribuições, mais gente doando menos.

Mas há uma certa análise de que esse fenômeno não acontecerá no país.

Há umas dificuldades, mas estamos superando, a legislação prevê a doação por meio de cartão de crédito.

Os partidos estavam reclamando da identificação do doador por meio desse instrumento.

Isso foi superado completamente. Os cartões de crédito não tinham como identificar o CPF do doador, porque eles não tinham como exigir do doador o CPF e transmitir para a Justiça Eleitoral. Na última sessão do semestre, alteramos a nossa resolução para tirar essa obrigação das operadoras de cartão e passou a ser uma responsabilidade do partido político de fornecer.

O sr. disse que as grandes doações de empresas podem ser um fator perturbador e de até corrupção. O que pode ser adotado para acabar com esse risco?

Poderíamos caminhar talvez no sentido de permitir apenas as doações de pessoas físicas, com limites, como já existe hoje, 2% da pessoa jurídica e 10% da pessoa física.

Há críticas de que, se o financiamento pelo setor privado for proibido, as empresas que doam de forma irregular vão continuar doando. Só ficariam de fora as empresas que doam legalmente. O sr. não teme que o caixa dois continuaria?

Estamos com mecanismos cada vez mais sofisticados para detectar o caixa dois, temos convênio com Receita Federal, a prestação de contas agora é mensal. Então, temos uma série de instrumentos para averiguar se há alguma irregularidade. A própria Receita federal, se houver uma doação anômala, que chama a atenção, nos informará e tomaremos as medidas necessárias. Mas eu queria apenas engatar aquela questão da reforma política. Temos ainda a questão do voto distrital ou misto, o voto em lista.
Eu, como juiz, não posso ter uma opinião pessoal, mas quero dizer que sou admirador do voto distrital misto, que pode ser uma saída para o eleitor participar de forma mais consciente no seu distrito, apoiando esse ou aquele candidato. A mensagem pode ser menos abstrata e mais direta para o eleitor no voto distrital puro ou misto.

A Justiça Eleitoral gostaria que o próximo presidente liderasse uma proposta de reforma política?

Estou me pronunciando aqui mais como acadêmico do que como magistrado. Como presidente do TSE, estou aparelhando a nossa Escola Judiciária Eleitoral para que possamos fazer uma discussão sobre a legislação eleitoral e apresentar algumas propostas para a sociedade e para o Congresso Nacional no final do meu mandato, colaborando inclusive com uma comissão que já existe no Congresso, para subsidiar uma proposta de modificação. Vamos oferecer isso ao Congresso Nacional como sugestão, até porque nós simplesmente aplicamos as leis.

Sobre o numero exagerado de partidos, os senhores estão enfrentando o debate sobre uma verticalização diferente, que é a questão da aparição de candidatos a presidente nas propagandas eleitorais. O ideal é que houvesse algo nessa linha, mas parece que é impossível que aconteça ao pé da letra da lei atual?

Pessoalmente, até como cidadão, sou simpático à ideia da verticalização. Porque a verticalização presta mais coerência ao processo político e também facilita a identificação do eleitor com uma determinada corrente ideológica ou programática. Mas eu devo reconhecer que a verticalização não existe mais no Brasil, porque ela foi alterada por uma emenda constitucional. No que tange à verticalização na propaganda eleitoral, houve uma primeira decisão tomada numa consulta formulada pelo PPS, mas há outras consultas que foram formuladas em que essa questão vai ser examinada por outros ângulos, outros aspectos e é possível que o TSE reveja a posição que tomou naquela consulta, em face a novos argumentos. E na verdade o acórdão ainda não foi publicado. Portanto, não há decisão do TSE sobre esse assunto.

Por mais que o acórdão não tenha sido publicado, aquela decisão foi amplamente divulgada por todos e agora existem chances reais de o TSE mudar a posição. O senhor não teme que a Justiça Eleitoral saia desacreditada, que se crie um ambiente de insegurança jurídica?

Absolutamente, não. Uma consulta é feita em termos absolutamente abstratos. Há varias situações, muito recorrentes, em que o próprio tribunal, ao examinar um caso concreto, revê aquela resposta que foi dada abstratamente a uma consulta. Essa é uma consulta que foi formulada de forma muito abstrata, que atende a uma dúvida de um consulente específico. Não é uma decisão tomada num caso concreto. Não tem a força vinculante de uma decisão jurisdicional. Foi uma resposta dada numa sessão administrativa. Portanto, ela pode ser interpretada diferentemente à luz dos fatos concretos. É muito corriqueiro que nós alteremos nosso ponto de vista à luz dos fatos concretos.

O sr. é o presidente do pleito deste ano. Concorda que houve uma antecipação da campanha este ano?

Sempre houve a antecipação da campanha. O que houve foi uma exposição maior dessa antecipação por parte da mídia.

Da mídia?

Eu acho que a mídia tem avançado em todos os países, houve uma cobertura maior dessas eleições em função da própria polarização.

Há um vácuo legal nesse período de pré-campanha, porque o político tem que se desencompatibilizar do cargo público em março, mas só se torna candidato em julho. Durante esse período, em tese, não existe campanha e portanto a Justiça Eleitoral não pode aplicar as punições previstas em época de campanha. Como lidar com isso?

Sou plenamente favorável a disciplinar esse período. Acho que o eleitor tem o direito de conhecer seu candidato de forma mais precoce. Eu pessoalmente defendo a ideia de que no começo do ano eleitoral. A partir de janeiro, a campanha poderia ser deflagrada. Mas é preciso regulamentar, porque há esse vácuo. O que não se pode admitir é o uso da maquina administrativa.

Não é uma hipocrisia proibir a pré-campanha, porque, de fato, essa pré-campanha existe e todo mundo sabe que é feita?

Eu acho que devia ser disciplinado. Penso que três meses é muito pouco tempo para que os eleitores conheçam em profundidade seus candidatos. A partir de janeiro já é campanha, todos conhecem, todos participam da escolha dos pré-candidatos.

Ocorreu uma série de eventos públicos, bancados com verba pública, onde foi feita propaganda antecipada. O que aconteceu até aqui perde efeito legal, ou esses eventos também podem ser considerados, em futura ação, contra determinado candidato, como parte de uma série de irregularidades cometidas na campanha?

Teoricamente eles podem ser invocados sim. Mas é preciso provar que realmente esses fatos tiveram o condão de desequilibrar a campanha eleitoral.

O sr. acha que até agora houve desequilíbrio?

Eu não posso me manifestar sobre isso.

Em entrevista recente à Folha, a procuradora Sandra Cureau disse haver uma "quantidade imensa de coisas" na pré-campanha de Dilma que podem ser interpretados como abuso de poder econômico e político". O sr. concorda com isso?

Ela mesmo usou a palavra "podem ser". Se isso vier a ser examinado pelo TSE, veremos se isso pode ou não ser interpretado como abuso de poder econômico e político. Mas insisto que é preciso considerar um conjunto de fatores, e a conduta deve ter sido de tal maneira grave que pudesse ter desequilibrado o pleito.

O sr. acha que o presidente Lula, tendo atuado em diversos atos, agiu de forma republicana? Em alguns momentos afirmou-se que ele afrontou a Justiça Eleitoral...

Eu não posso responder pelo presidente da República. Mas posso dizer é que entre abril e maio houve uma mudança, uma inflexão na jurisprudência da Corte. Até então, entendia-se que só se configurava campanha antecipada se houvesse menção ao pleito, fosse nominado um candidato e houvesse pedido explícito de voto. A partir de abril/maio, houve uma mudança na jurisprudência da Corte, que passou a considerar que mesmo um pedido implícito seria considerado pré-campanha. Uma campanha subliminar. Houve uma mudança na jurisprudência, e a partir desse entendimento determinados comportamentos passaram a ser sancionados.

O sr. acha que o presidente afrontou a legislação eleitoral em algum momento, tanto que foi multado?

Se o presidente afrontou, ele foi sancionado nas hipóteses em que afrontou a legislação eleitoral, ele foi apenado pela Justiça Eleitoral. Nas hipóteses em que ele não afrontou, a Justiça o exonerou.

O que espera da eleição?

Espero que ela transcorra tranquila, sem ataques pessoais e se discuta planos, programas e projetos.

Mas da forma que os principais candidatos trataram seus programas, na hora de registrar suas candidaturas, eles não foram colocados como tema principal. Houve uma falta de comprometimento?

Penso que esta é uma prática que precisa ainda ser amadurecida. Os próprios partidos políticos, de certo modo, não estão atuando de forma mais ideológica, programática. Mas tenho a impressão de que, com o amadurecimento da nossa democracia, teremos uma discussão em outras bases. Acho que essa multiplicidade de partidos impede essa caracterização dos partidos do ponto de vista ideológico e programático.

Mas como o sr. avalia o que aconteceu no caso dos programas?

Eu não examinei esses programas apresentados a fundo, mas imagino que é aquilo que cada partido tinha a apresentar no momento do registro.

O partido pode mudar esse programa, ou o que ele apresentou é definitivo?

Teoricamente representa um compromisso público do partido com seus eleitores, no sentido daquilo que pretende realizar depois de eleitos seus candidatos. Agora, evidentemente esses programas apresentados, no momento do registro, podem ser acrescidos ao longo da campanha política.

E as polêmicas sobre a segurança da urna eletrônica?

A urna é absolutamente segura, e foi testada publicamente no ano passado. Por meio de edital, convocamos a população para testar as urnas. Compareceram universidades, Marinha, Polícia Federal, sociedade, todos tentando furar nosso sistema, que se demonstrou completamente seguro. O eleitor pode ficar tranquilo, que as urnas são indevassáveis, seu voto é seguro.

E a questão da impressão do voto?

Ela valerá para as próximas eleições, municipais, que exige um mecanismo de impressão dos votos. Essa é uma matéria que causa grande preocupação para a Justiça Eleitoral, sobretudo para esse presidente, porque da forma que foi criada pode levar à identificação do eleitor. Isso pode ir de encontro com o princípio fundamental do sigilo do voto. O ideal é que fosse alterado. Estamos acoplando a um sistema totalmente eletrônico e informatizado um procedimento mecânico.

É um retrocesso?

Sem dúvida nenhuma é retrocesso. Testes feitos em locais mais úmidos mostram que aquele tipo de papel está se enroscando. Felizmente não valerá para essa eleição. O ideal é que antes seja modificado. Eu penso que esse dispositivo, em tese, pode ser inconstitucional pela questão do sigilo do voto. É como acoplar um mecanismo movido a vapor num avião a jato.

* Valdo Cruz e Felipe Seligman são jornalistas da FOLHA.COM
Fonte: FOLHA.COM. Edição de 11.07.10.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

De Gênios e Encantamentos

Por Paulo Linhares*


Certas pessoas muitos especiais têm a capacidade de jamais morrer; quando chegam em certas quadras de suas vidas simplesmente se encantam, num trespasse do corpo físico, provisório invólucro, mera crisálida, para, quem sabe, uma forma etérea de imago?

Claro, para além das coisas da vida não se aventura a nossa humana e frágil compreensão. Daí que nos interessa tão somente aquela transcendência que alguns mortais incomuns, aqueles situados num patamar bem superior à média das pessoas. À falta palavra mais precisa, apelamos para uma facilitação mística, ao chamar a essas pessoas especialíssimas - que nós, comuns mortais, nem sempre compreendemos - simplesmente de "gênios", porque decerto geniais há de se considerar as coisas que fizeram nessa rápida passagem pelo mundo em que vivemos.

Um desses gênios recentemente se encantou, deixando na orfandade mais completa a lusófona comunidade que se espraia, a partir de estreita costela da Península Ibérica, pela imensidão continental sul-americana, pelas terras africanas ou por antigas possessões incrustadas em antigas nações asiáticas.

Sim, não foi apenas um josé que morreu em 21 de junho deste 2010. Foi José Saramago, um dos grandes intérpretes do drama contemporâneo da existência humana, autor que foi de uma obra vasta que engloba 16 romances, além de obras poéticas, teatrais, contos e crônicas, que lhe valeram o Prêmio Nobel de Literatura de 1998.

Claro, alguns escritores ruins, de terceira linha, já receberam o Nobel de Literatura e gênios literários jamais o receberam (que o diga o argentino Jorge Luis Borges), mas a regra é a premiação dos melhores literatos de cada época. O português Saramago, amante de polêmicas, compunha a regra pois foi um dos maiores escritores de seu tempo. Comentou com sarcasmo, em entrevista, que “...as pessoas costumavam dizer sobre mim ‘Ele é bom, mas é comunista.’ Agora (após o prêmio Nobel) elas dizem ‘Ele é comunista, mas é bom.’ ” Saramago causou quase uma hecatombe por ter comparado - pura verdade - o tratamento dispensado por Israel aos Palestinos ao Holocausto, no que foi acoimado de anti-semitismo.

Por romances como "O Evangelho segundo Jesus Cristo", de 1991, e "Caim", de 2009, embora revelando-se profundo conhecedor da Bíblia, era mal visto pela Igreja Católica, sobretudo pelas críticas que fez ao Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, porquanto era estranho que ele "...tenha a coragem de invocar Deus para reforçar o seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual" do atual papa. Para acender mais a polêmica, afirmou que as "insolências reacionárias da Igreja Católica precisam de ser combatidas com a insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só têm interesse no poder".

Pelas mãos de meu falecido amigo, Francisco das Chagas Pereira, tomei contato com a obra de Saramago há uns quinze anos, quando quase ninguém por estas bandas o conhecia. Pereira me iniciou por aquela que, até hoje, considera-se como a opus magnum de Saramago que é o "Memorial do Convento". Depois, navaguei na sua "A Jangada de Pedra" e li a "História do Cerco de Lisboa", "Ensaio sobre a Cegueira" e, por fim, "As Intermitências da Morte". Leituras fantásticas, todavia, sem afastar uma ponta de receio de desaprender o português brasileiro! Por fim, ressalte-se que, recentemente, o crítico norte-americano Harold Bloom no seu livro Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds ("Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da literatura", título da edição brasileira da Editora Objetiva, de 2003), disse que José Saramago era "o mais talentoso romancista vivo nos dias de hoje, bem assim que seria "um dos últimos titãs de um gênero literário que se está a desvanecer".

Bloom tratou-o como "o Mestre". Mestre Saramago que nos ensinou a dura lição de que "...no final, descobrimos que a única condição para a vida existir é a morte". Ave, Mestre Saramago.

* Paulo Afonso Linhares é professor, escritor, pesquisador e Defensor Público Geral do Estado.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Lula na ONU

Por Osíris Silva*

O presidente Lula da Silva afirmou sábado passado, 3 de julho, em Cabo Verde, dispensar o cargo de secretário-geral das Nações Unidas. Ao ser entrevistado por jornalistas, após encontro com chefes de Estado da África, afirmou que a ONU deve ser comandada por um "bom burocrata". Na ocasião ironizou o governo norte-americano, que se opôs à proposta de sua candidatura.

Segundo Lula, "o secretário-geral deve ser um técnico, um burocrata. Não pode ser um político". E ainda afirmou que "um político pode criar um problema muito sério. Imagine se amanhã o presidente dos Estados Unidos quiser ser o secretário-geral da ONU? Não dá certo." Sem dúvida, é impressionante a capacidade presidencial de emitir conceitos e definições mundo afora, entenda ou não do que está falando.

Diante de pretensas e supostas (sem graça) ironias assacadas contra Barack Obama, Lula revela o fundo de seu lado político mais forte: a insolência, a petulância, o cabotinismo, a arrogância. Sem querer desmerecer, expressa-se como em palanques sindicalistas, nos quais predomina o discurso panfletário típico de assembleias de classe. Mas não, necessariamente, coerente com a posição de um presidente da República, sobretudo por se tratar de um país da dimensão geopolítica e da importância econômica do Brasil.

Obama não revela a razão fundamental porque vetaria a pretensão de Lula ao cargo. Na verdade, os recentes alinhamentos do presidente brasileiro a regimes ditatoriais sanguinários, eleitos fraudulentamente, e que reprimem liberdades fundamentais do cidadão (tipo Irã, Venezuela, Cuba, Síria, Zimbábue, Líbia), além de ostensivamente inimigos do mundo ocidental, com certeza estão na base dessa rejeição.

Em viagem empreendida semana passada à Venezuela, o presidente (perpétuo) da Síria, Bashar Assad, ironizou a inclusão de seu país no que o mundo Ocidental e democrático considera o “eixo do mal”, classificação introduzida pelos Estados Unidos após o 11 de setembro de 2001. Na ocasião instou, como se fosse preciso, Hugo Chávez a ser “o secretário-geral do grupo”.

Por seu turno o ditador venezuelano convidou a Síria a integrar a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), em retribuição ao que o Assad o chamara de “um líder árabe” por suas “firmes opiniões e posicionamento ante os conflitos do Oriente Médio”, isto é, sempre a favor do terrorismo.

A América Latina, e tão menos o Brasil precisa de proselitismo zombeteiro e provocador. O presidente Lula não se pode deixar envolver nesse tipo de panfletarismo irresponsável. O país, ao contrário, por haver adotado no início dos anos 1990 uma política econômica consistente, e, pelos resultados positivos que vem alcançando, tem assegurado um futuro brilhante. Deve, portanto, concentrar-se com toda ênfase possível no aperfeiçoamento de suas instituições, na modernização de seu sistema tributário, no ajuste de uma política econômica de longo prazo adequada às mudanças conjunturais que se vem processando nesse início de década.

O ministro Celso Amorim, de Relações Exteriores, defendeu nesta segunda-feira a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Guiné Equatorial, governada pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde 1979. Em declaração sucinta à imprensa o chanceler disse que "negócios são negócios" e classificou de "pregação moralista" as referências da imprensa aos crimes contra os direitos humanos atribuídos ao ditador. "Não estamos ajudando nem promovendo ditadura", disse Amorim. "Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país." O povo? Que papel pode exercer o povo numa ditadura?

Nessa linha de pensamento, justificar-se-ia estabelecer linhas de negociações comerciais com as FARCs, a máfia, o comando vermelho ou quaisquer outras organizações clandestinas, desde que seja para “fazer bons negócios”. A propósito, questiona-se: por que tanta tolerância a ditadores? Claro, “negócios são negócios”, mas o presidente brasileiro não precisa ir ao Irã, à Venezuela, ou à Giuné Equatorial, à Libia ou ao Zimbábue legitimar tiranias. Existe o Itamaraty para se desincumbir de tais missões diplomáticas, por mais espinhosas que sejam. Penso que o Brasil tem, acima de tudo, compromisso com as liberdades democráticas.

Voltando ao assunto, a Carta das Nações Unidas prevê que o secretário-geral será nomeado pela Assembléia Geral após escolha do Conselho de Segurança , sujeita, com efeito, ao veto de qualquer um de seus cinco membros permanentes. Evidentemente, não só os Estados Unidos, como a própria China, Rússia, Inglaterra e França podem também exercer seu legítimo direito de veto. Afinal, qual o sentido de colocar no cargo mais importante da ONU um político abertamente hostil ao bloco democrata? Parece-me cristalino que jamais o Conselho de Segurança da ONU haverá de escolher um pretendente ao cargo máximo da entidade que lhe seja adverso, provocador. Pior ainda quando o pretendente não reúne condições objetivas para o exercício do cargo.

Diferentemente do presidente brasileiro, que, assumidamente jamais leu um livro, o primeiro e único latino-americano a ocupar a Secretaria Geral, por dois mandatos, foi o peruano Javier Pérez de Cuéllar, de janeiro de 1982 a 31 de dezembro de1992. Diplomata de carreira desfrutava de grande respeito no mundo das relações exteriores entre estados soberanos, além de reconhecidamente dotado de grande capacidade de trabalho.

O africano Kofi Annan, que ocupou o cargo de 1º de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2006, era chefe do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas antes de ser escolhido como o Secretário-Geral. Em 2001, após diversas mudanças gerenciais implementadas no órgão, como um orçamento fiscal mais responsável, Annan foi reeleito por unanimidade para um segundo mandato.

Sua escolha deveu-se à rotação "informal entre os continentes", posto que, seu predecessor, o egípcio Boutros Boutros-Ghali, havia servido por apenas um mandato, de 1º Janeiro de 1992 a 31 de dezembro de 1996. O nome de maior força para suceder Kofi Annan, o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, foi funcionário da ONU por 34 anos. Ocupava, desde 2002, o cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, quando, em 19 de agosto de 2003, morreu em Bagdá, juntamente com outras 21 pessoas, vítima de atentado terrorista desferido pela Al Qaeda contra a sede local da ONU.

Desde 1º de janeiro de 2007, o atual Secretário Geral da ONU, o oitavo a assumir o cargo, Ban Ki-moon é um diplomata coreano, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio de seu país. Sucedeu ao ganês Kofi Annan. Filho de um agricultor, estudou Relações Internacionais na Universidade de Seul e posteriormente na Universidade de Harvard. Foi embaixador da Coréia do Sul na Áustria entre 1998 e 2000.

Em 2002, o Brasil concedeu-lhe a Grande Cruz da Ordem de Rio Branco, principal comenda que o governo do país pode oferecer a um estrangeiro. Também foi agraciado com a comenda Ernesto Che Guevara, em 1960. Entretanto, Lula não deve se desapontar com a rejeição ao seu nome. Grandes figuras da história, como Charles DeGaulle, Dwight Eisenhower e Sir Anthony Eden foram, no pós-guerra, indicados e rejeitados para o cargo de Secretário Geral das Nações Unidas

* Osíris Silva é Economista e ex-Secretário de Estado da Fazenda do Amazonas.
(Publicado originalmente no Blog http://www.carlosbranco.jor.br/)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Egoísmo, o ismo do eu

Por Públio José*

Todos nós já estamos acostumados com os ismos da vida. Nacionalismo, esquerdismo, anarquismo, direitismo, numa sucessão sem fim, entronizada para rotular tendências religiosas, políticas, econômicas, esportivas, culturais de quem quer que seja.

Por mais esforços que se faça, ninguém escapa de ser encaixado em um ismo qualquer. É latente, intestina a necessidade no ser humano de rotular, de entalar o outro num ismo. “Fulano é de um esquerdismo revoltante”. Com certeza você já ouviu esse tipo de comentário de alguém a respeito de outra pessoa. Ou por outra: “Sicrano não passa de um reles defensor do capitalismo selvagem”. Os artistas, os intelectuais, os políticos, sofrem muito com esse, digamos, rotulismo. Independente de serem ou não o que os outros pensam a respeito deles, são logo encalacrados, mal surgem, como sementes do modernismo, conservadorismo, populismo, expressionismo...

O ismo é um sufixo que encerra em si mesmo um projeto de doutrinação, um conjunto de ações voltadas à implementação de uma tendência, de uma escola, de um movimento ou princípio artístico, filosófico, político ou religioso. Tem sempre atrás de si mil interesses. Nunca surge de graça, como também ninguém inventa um deles por acaso.

Ao longo da história da humanidade os ismos se sucederam como panacéia para inúmeros males, ditando moda, hábitos, costumes, além de pautarem a rotina das atividades artísticas, políticas, econômicas, culturais e sociais. Alguns ismos se caracterizam pelo seu conteúdo exterior. É o caso do militarismo, do expansionismo, do ativismo voltado a fazer uma comunidade tentar um crescimento para fora de suas fronteiras. Outros são mais intrínsecos aos sentimentos e posicionamentos interiores, como idealismo, comodismo, egoísmo, altruísmo, individualismo – e por aí vai.

Há os de conotação política, como comunismo, nacionalismo, esquerdismo, direitismo, como também os mais sintonizados com a administração pública: monetarismo, liberalismo, capitalismo, socialismo, trabalhismo, todos, logicamente, direcionando a visão, as políticas, ações e projetos nos governos onde se enraizaram. A prática de um ismo qualquer diz bem a pessoa ou o conjunto de pessoas adeptas de sua essência. O ateísmo, por exemplo, enquadra em torno de si os que são contrários à existência de Deus. O altruísmo, por seu lado, já inclui o sentimento de quem põe o interesse dos outros à frente dos seus. E o egoísmo... Ah, esse é bronca! Bronca pura! Significa a eleição do próprio ego, do próprio eu, como início, meio e fim de todas as coisas. Ou seja, uma vida calcada na celebração de tudo que diz respeito a si. Só e somente só. Em suma, a doutrina da valorização excessiva do eu.

Se o sufixo ismo caracteriza a junção de atividades em torno de uma tendência, de um movimento, o egoísmo, por sua vez, encarna todo um posicionamento interior no sentido de erguer um trono à própria personalidade, um culto fanatizado à defesa dos próprios interesses.

Entretanto, se o egoísmo ficasse por aí tudo bem. O problema com seus detentores é que, na medida em que supervalorizam os próprios interesses, agem no sentido contrário na escala de importância em que catalogam as pessoas. Para o egoísta o próximo vale muito pouco – quando não coisa nenhuma. E, muitas vezes, percebendo ou não, o egoísta vai deixando pelo caminho um rastro de destruição e ódio, oriundo de ações carregadas de um profundo menosprezo pelo outro. E agora? Agora? É constatar-se, vida a fora, o altruísmo de uns poucos em contraponto ao egoísmo de muitos. De muitos. Ah, o egoísmo... Que bronca!

* Públio José é Jornalista, escritor e articulista.


sábado, 3 de julho de 2010

Apenas um Jogo de Futebol

Por Paulo Linhares*

A pátria não apenas calçou as chuteiras como engalanou-se de atavios auriverdes, na tão desejada conquista do "Hexa", uma palavra mágica para designar a almejada sexta copa do mundo de futebol a ser conquistada pelo Brasil. Uma cruzada mística a ser levada às longínquas e exóticas terras da África do Sul. A essa temporária Meca futebolística acorreram, nestes meados de 2010, várias outras seleções, todavia, nenhuma com as travas das chuteiras tão altas quanto a chamada "Seleção Canarinha". Ostentando o pomposo título de "reis do futebol", os jogadores comandados pelo turrão Dunga passavam a impressão de que seriam hexacampeões mundiais da copa organizada pela poderoso Fifa sem entrar em campo. A mesma besteira que cometem os acólitos de certos candidatos "governador de férias". A rede Globo, emissora oficial da Copa, também dá a sua (enorme) contribuição para mistificar o evento.

Finalmente começou a Copa. O Brasil parou, sobretudo nos dias de jogos. Em campo a Canarinha ganhou com dificuldade para times safados como o da Coréia do Norte e o Costa do Marfim. Diante do escrete de Portugal, a seleção de Dunga (não a nossa, que teria necessariamente o meia Paulo Henrique Ganso e o atacante Neymar, para compor com o outro santista Robinho um triângulo mágico que encantaria o mundo na África do Sul, a exemplo do que o Brasil fez na Suécia, na Copa de 1958, com Pelé, Garrincha e Vavá) não descolou do zero a zero, uma droga de jogo embora restasse o consolo de que ele, o chato do Dunga, "jogava com o regulamento debaixo do braço", como se diz no jargão desportivo: o Brasil era o primeiro lugar de sua chave e era isso que importava. Para que ir para cima dos irmãos lusitanos, com os riscos de contusões e expulsões, se o primeiro lugar estava garantido? Tinha lógica, engolimos em seco.

O próximo desafio era enfrentar a seleção da Holanda, nas Quartas-de-Finais, em 02 de julho. Começou bem, com um fantástico gol de Robinho. Depois o Brasil "travou" literalmente e nada mais fez até o fim do primeiro tempo de jogo, embora mantivesse o domínio do jogo. No segundo tempo a esquadra holandesa mudou completamente o jogo, impondo seu domínio paulatino em todos os setores do campo, o que lhe rendeu dois gols bestas e improváveis, mas o suficiente para carimbar os passaportes de Dunga e seus rapazes, de volta para casa. Desta feita o nosso algoz foi o carequinha Wesley Sneijder, meio-campista da seleção holandesa e autor do gol de cabeça que jogou por terra o sonho do tetra.

As lágrimas, gargantas embargadas, desalento generalizado são a marca de mais um "naufrágio" do escrete canarinho, que aliás, vestiu azul contra os holandeses cor-de-laranja e a sorte então mudou, para pior. Entretanto, o que se imaginava como um Armagedom brasileiro, em pouco tempo foi posto no lugar devido: foi apenas uma partida de futebol perdida pela seleção (do Dunga e do Ricardo Teixeira) brasileira. Ganhando ou perdendo, o escrete nacional, mais uma copa do mundo nada, absolutamente nada, muda em nossas vidas. Tudo bem, gostamos de futebol e vamos para a frente da TV de "coração na mão" todas as vezes que a seleção entra em campo, seja para um amistoso caça-níquel, seja num jogo de final de copa do mundo, mas isso não quer dizer que se a seleção levar um surra a lua cai uma banda. Coisa nenhuma! É apenas uma competição desportiva, onde vitória e derrota são faces de uma mesmíssima moeda.

Com os meninos do Dunga a voltar para casa com os rabinhos entre as pernas, espera-se que o Brasil volte a trabalhar. Nada de desespero: o Hexa virá em 2014, quando o Brasil será anfitrião da Copa da Fifa. Se não vier, virá em 2018 ou em 2022, enfim, a cada quatro anos a nossa esperança se renova. Chegaremos lá.

* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público Geral do Estado, Professor, Escritor e Pesquisador.

Um "chapéu" na Lei da Ficha Limpa

Por Kennedy Diógenes*


Há poucos dias, o Brasil comemorava a sanção da Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, denominada de Lei da Ficha Limpa, a qual acrescentou à LC 64/90 a hipótese de inelegibilidade para todos aqueles que forem condenados, seja em decisão transitada em julgado ou por Órgão Colegiado, por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o meio ambiente e a saúde pública; e por crimes eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade, dentre outros.

A razão da euforia popular se devia ao fato de que a Lei da Ficha Limpa advinha de um dos poucos projetos de lei de iniciativa popular propostos, após a promulgação da Constituição de 1988, que mobilizou mais de 1,5 milhões de assinaturas e 2,5 milhões de apoios virtuais, representando, portanto, expressiva e legitimada alteração nos valores sociais do povo brasileiro, já tão cansado dos inúmeros abusos de parte viciada da classe política.

E isso gerava uma enorme alegria à Nação Canarinha, somente amplificada ante os preparativos da Copa do Mundo, passando a monopolizar, este evento desportivo, a partir do dia 11 de junho, todas as atenções e tensões da sociedade.

Sintonizados com aquela motivação popular, principalmente no tocante a urgência de aplicabilidade da lei, os ilustres Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, inspirados, firmaram entendimento de que a Lei da Ficha Limpa valeria já para as Eleições de 2010, contrariando os interesses de vários políticos “pendurados”, ou seja, que possuem condenações prolatadas ou confirmadas pelos Tribunais de Justiça Estaduais e/ou Tribunais Regionais Federais do País.

Pode-se dizer, em tempos de Copa, que essa decisão do TSE foi um gol de placa, sendo ovacionada pelos homens e mulheres de bons costumes. Pela primeira vez, vislumbrou-se uma campanha eleitoral livre daqueles políticos “manjados”, useiros e vezeiros do assalto à coisa pública, que alimentam os processos judiciais com recursos inúteis e protelatórios como lenha em fogueira, somente para se esconderem por detrás da presunção de inocência.

No entanto, no dia 1º de julho, um dia antes da disputa de jogo decisivo para o Brasil nas quartas-de-final, como triste prenúncio, as regras do jogo limpo eleitoral foram alteradas pelo Ministro Gilmar Mendes, ao atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto pelo Senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que atacava uma condenação proferida pelo Tribunal de Justiça do Piauí.

Como tristeza nunca vem desacompanhada, neste 02 de julho, a torcida brasileira recebeu dois baques: a derrota da equipe canarinha, com o amargo sabor de laranja, e a notícia de outro drible na Lei da Ficha Limpa, quando o Ministro Dias Toffoli, em concessão de liminar em agravo de instrumento, suspendeu uma condenação confirmada pelo Tribunal de Goiás contra a deputada Isaura Lemos (PDT-GO).

Ou seja, a Lei da Ficha Limpa não se aplicará ao Senador Heráclito Fortes e a Deputada Estadual Isaura Lemos, abrindo caminho para outros políticos concorrerem, mesmo condenados e de condutas condenáveis, a qualquer cargo eletivo neste ano, pois os julgamentos de mérito pelo pleno do STF estão previstos somente para 2011.

Apesar do reconhecimento à capacidade e competência dos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, não se pode deixar de registrar que as referidas decisões oportunizam justamente aquilo que a Lei da Ficha Limpa nasceu para evitar: a continuidade do mau político no cenário nacional.

Ora, toda a luta e mobilização social para criar a LC 135/10 se esteou na desnecessidade do trânsito em julgado das condenações, para tornar inelegível um político processado, desde que sejam proferidas ou confirmadas por um órgão colegiado, como fruto de um movimento nacional de compatibilização da ética e da política. Atribuir efeito suspensivo a todos os recursos que chegarem ao STF interpostos por estes políticos é um verdadeiro “chapéu” na Lei da Ficha Limpa e no povo brasileiro.

Assim, pela Copa perdida, pela Ficha Limpa frustrada, “choram Marias e Clarices no solo do Brasil”.

* Kennedy Diógenes é Advogado, sócio do Escritório Diógenes, Marinho e Dutra, Diretor Jurídico do IPDCON e Coordenador da Defensoria Pública do Estado.

** Foto: Paulo Nicolla (http://jbonline.terra.com.br/fotosdodia/?foto=737)