sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O futuro conta mais

Osíris Silva*

As campanhas eleitorais no Brasil servem, basicamente, para os candidatos repetirem, sem constrangimento, monótonas promessas em grande parte fantasiosas e sem fundamento.

Muito pouco se extrai de concreto de seus discursos. Exemplos: dentre tantos, compromissos do candidato Lula, assumidos na campanha de 2002, de criar 10 milhões de empregos, zerar a fome do brasileiro desvalido, promover a reforma agrária e construir moradias para os sem teto e sem rumo.

De roldão são também levadas questões fundamentais que afetam diretamente o cidadão, como os relativos aos graves problema das filas do Sus, da péssima qualidade da saúde e da segurança pública, do africano sistema de saneamento básico e de urbanização das cidades, da precariedade de nossa malha viária e dos obsoletos complexos portuários e aeroportuários; e, também, as questões atinentes ao sistema educacional enredado em dificuldades crescentes, como om confuso e pouco eficiente Enem, que se refletem nos assombroso índice de analfabetismo da população brasileira.

Com efeito, de acordo com pesquisas do Mec, o Brasil, consoante dados de 2008, tem cerca de 19,1 milhões de analfabetos (10% da população), dos quais 50% concentram-se em menos de 10% dos municípios do país. Ou seja, em pleno século XXI há, em nosso país, quase 20 milhões de cidadãos que simplesmente não sabem ler nem escrever. Que, entretanto, votam. Os dados, relativos ao “Mapa do Analfabetismo”, segundo avaliação do Ministério da Educação (MEC), apesar de não serem inéditos são "alarmantes", pois “abrangem pessoas incapazes de ler e escrever pelo menos um bilhete simples”.

Mais grave ainda: considerando-se os dados relativos ao "analfabeto funcional", que inclui as pessoas com menos de quatro séries de estudo concluídas – 21% da população ou cerca de 40 milhões de pessoas – infere-se que em torno de 60 milhões de brasileiros, ou quase um terço de nossa população não conseguem sequer assinar o nome na hora de votar. Desse contingente, mais de 52% concentra-se no Nordeste, justamente a região que abriga os grandes currais eleitorais dominados pelos “coroneis” que conservam sob seu jugo os rumos da política em nosso país.

Mesmo considerando que, no mundo, segundo a Unesco (órgão das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), registram-se mais de 900 milhões de analfabetos, comparativamente ao quadro internacional, contudo, da elevada taxa de analfabetismo exibida pelo Brasil decorre que 55% dos países apresentam melhor desempenho que o nosso.

Em relação à América Latina, 72% das nações do continente têm taxa de analfabetismo menor que a brasileira. Ou seja, o quadro é resultado direto, ao que observo, de ausência de plano nacional de educação consistente, desprovido de simulacros, cabotinismos e arroubamentos demagógicos deste ou de quaisquer outros governos.

O analfabetismo é de fato o exemplo perfeito da exclusão social. Gera um tipo de (sub) cidadão que não dispõe de pleno discernimento sobre o “bom e o mau”, mentiras e ardis, quem engana ou usa de artimanhas para conseguir impositivamente manter domínio político sobre corações e mentes das pessoas dessa classe social. O analfabeto é, antes de tudo, um indefeso em grau absoluto. Contenta-se com muito pouco. Por isso, torna-se presa fácil na hora de tomar decisão crucial em sua vida, como trocar seu voto por dentadura, par de sandálias, consulta médica ou bolsas sociais que, sem oferecer-lhe alternativa em termos de emprego e renda, tende a conservá-lo manietado, sem horizontes, a favores oficiais, indefinidamente.

Entendo que a campanha política deveria constituir-se no momento máximo para o efetivo exercício da cidadania. Os candidatos têm a obrigação moral de vir a público, contando com os extraordinários recursos que oferecem os meios de comunicação, tendo em vista precipuamente analisar os problemas nacionais, propondo-lhes soluções realistas e viáveis do ponto de vista orçamentário.

O povo não sabe, mas, orçamento é um só, dispõe de estreita margem de manobra. Trata-se do documento que discrimina a receita e a despesa da administração pública para o exercício seguinte, encaminhado anualmente pelo Poder Executivo à aprovação do Poder Legislativo.

Um dado importantíssimo, mas amplamente deturpado, à conveniência da administração no poder e das representações parlamentares: alterar a função “despesa” só é possível, legalmente, única e tão somente sob a condição de que se apresente alternativa de “receita” na mesma proporção a da despesa que se propõe criar.

Relativamente a este aspecto é que os políticos desonestos mais se beneficiam ao fazerem promessas desprovidas de fundamento. Sabem, portanto, que estão mentindo desbragadamente ao povo e à nação, porquanto o que estão prometendo, sem a devida cobertura orçamentária, não passa de promessa vã, sem fundamento e enganadora. Mas, e daí? O que importa pra valer não é simplesmente ganhar eleição?

Constrange constatar, mas é assim que, em nome de uma soi-disant governabilidade, palavra da moda criada para legitimar acordos políticos subterrâneos, vêm as naturais acomodações, os acertos partidários, o toma lá dá cá sem fim que se sucedem às eleições. O fingir desconhecer que cada senador custa à nação abusivos R$ 200 mil reais por mês; ou que o Congresso gastou quase R$ 4 milhões de reais em horas extras de julho a 23 de agosto último, período em que as duas casas (Senado da República e Câmara dos Deputados) encontravam-se em recesso.

Simula-se também desconhecimento sobre fatos da administração pública que gerarão grandes dificuldades ao país futuramente. Segundo estudos do economista Ricardo Bergamini, “de janeiro de 2003 até dezembro de 2009 a União gerou um déficit fiscal nominal de R$ 708,4 bilhões (4,18% do PIB) com a agravante do aumento real da carga tributária da União em 12,86% do PIB (22,08% do PIB em 2002 para 24,92% do PIB em 2008); e que, de 2003 até 2008 a carga tributária brasileira (Federal, Estadual e Municipal) teve um aumento real em relação ao PIB de 10,66% (Fonte MF)”.

Além do mais, ainda consoante as análises do Prof. Bergamini, “de janeiro de 2003 até dezembro de 2009 o Gabinete da Presidência da Republica gastou (R$ 22,0 bilhões), mais do que com os seguintes Ministérios: Orçamento e Gestão (R$ 18,7 bilhões); Relações Exteriores (R$ 11,5 bilhões); Indústria e Comércio (R$ 11,3 bilhões); Meio-Ambiente (R$ 8,8 bilhões) e Comunicações (R$ 8,6 bilhões). Sem considerar os insignificantes ministérios dos Esportes, Cultura e Turismo (Fonte MF)”.

Lamentavelmente, tais distorções, confrange constatar, vêm se perpetuando a despeito de liderar o cenário político nacional, em larga margem, uma geração forjada nas lutas políticas contra a ditadura dos anos 1960, 1970 e nos movimentos pela redemocratização do país sedimentados na campanha pelas “Diretas Já” levada a efeito no período 1983/1984. Tudo leva a crer que esqueceram os compromissos então assumidos. O passado, ao que parece, pouco conta. Mas, e quanto ao futuro? Vale mais?

* Osiris Silva é economista, consultor de empresas, ex-Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, e da Fazenda, do Amazonas, e produtor agrícola.

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