segunda-feira, 2 de maio de 2011

Justiça: Incerteza e Insegurança

Por Paulo Linhares*

O direito que a humanidade tem construído, ao logo de muitos milênios, outra finalidade não tem que a de acarretar certeza e segurança às relações sociais. Sem isso dificilmente uma sociedade superaria o seu estado de larva, que jamais evoluiria para atingir outros estágios, até chegar às comunidades complexas que temos atualmente. 

Por conseguinte, todo o enorme aparato judicial que permeia as comunidades humanas tem como elemento dinâmico a realização desse dúplice objetivo. Tanto isto é verdadeiro que a primeira manifestação do Estado, no plano histórico, se dá primariamente como juiz e não como administrador ou legislador: no começo dos tempos da humanidade, aos membros mais sábios e destemidos de uma comunidade, era dada a ingente tarefa de revelar o direito, em situações concretas, pondo fim à incerteza, à dúvida, com a imposição de uma solução que, depois de adotada, passava à condição de verdade; essa revelação do direito tinha, e ainda tem o condão de sedimentar no corpo social a noção de proteção contra as intempéries da natureza, os perigos, os infortúnios, os danos e as perdas. Nesta mesma linha, saiu a humanidade da pré-história e chegou aos dias atuais. Ou deveria ter chegado.
Ora, em determinados momentos históricos o chamado Estado-Juiz vem mais para confundir, sobre conceitos e fatos, do que revelar o direito para estabelecer certezas e, como conseqüência, estabilizar as relações sociais, injetando-lhes segurança, ou seja, a noção de que os perigos, infortúnios e ameaças, estariam afastados. Às conjunturas em que prevalece, como regra, a fragilidade das instituições sociais e políticas, favorecem o império da dúvida, dos conceitos movediços, do “talvez” antes do “certamente”. É algo assim que tem feito, nos últimos tempos, a mais importante corte de justiça do Brasil, que é o Supremo Tribunal Federal, cujas decisões finais são irrecorríveis, assim, tomadas em ultima ratio, como razão derradeira ou definitivo argumento.
O recente julgamento enfrentado pelo STF, envolvendo os suplentes de cargos eletivos proporcionais, foi exemplar. Julgando mandado de segurança impetrado por partido político (PMDB), entendeu a corte, em juízo de liminar, que em caso de substituição do titular assumiria o suplente do mesmo partido político ao invés daquele que estaria nessa condição como decorrência das coligações partidárias. Ora, a tradição jurídica nacional, em matéria eleitoral, é no sentido de que, diplomados com seus respectivos titulares, os suplentes são da coligação partidária e não dos partidos políticos. Os suplentes teriam, óbvio, mera expectativa de direito, porém, nessa condição estariam em face do reconhecimento que a lei delega a instâncias do Poder Judiciário. Em suma, os suplentes dos cargos eletivos proporcionais, oriundos das coligações, são diplomados como tal pelos juízes de primeiro grau, no âmbito municipal; pelos TREs, no plano estadual, e pelo TSE, na esfera federal.
O STF, depois de muito claudicar, finalmente julgou a questão, refreando a inovação do primeiro julgamento (que atribuía o mandato em substituição ao suplente do partido) para seguir com a tradição do Direito Eleitoral brasileiro, que era no sentido de que assume o suplente diplomado pela Justiça Eleitoral, pertencente à coligação partidária. E foi um julgamento em que o fato raro da mudança de votos já proferidos – que é possível até a proclamação do resultado pelo presidente da Corte – para desfazer o imbroglio que se armou com a decisão liminar. 
É bem verdade que as coligações partidárias nas eleições proporcionais são uma aberração, mas, certo ou não, elas são previstas no marco regulatório eleitoral. O STF desfez a confusão que ele próprio e solitariamente criou, posto que com enorme razão do ponto vista teórico, mas, um desastre, no aspecto prático, sobretudo, por apressar o fim das coligações partidárias nos pleitos proporcionais. Enfim, como disse Shakespeare,  “[... ] All is well when it ends well”  (Tudo está bem quando acaba bem). Ainda bem que, para o STF, foi assim. O Brasil agradece.
* Paulo Afonso Linhares é advogado, professor e escritor.

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