Por Marcos Alexandre*
Dizem que o tempo cura a tudo, sobretudo a dor, decepção e tristeza provocadas pela morte de um ente querido. Tomara mesmo que seja assim. Por mais que a razão indique que a morte é a única certeza que temos na vida, ou que "nascemos para morrer", não é tão fácil assimilar a separação definitiva de uma pessoa amada quando essa separação se efetiva. A filosofia e a religião até ajudam a abrandar a dor que castiga a alma em momentos assim. Mas não a cessam por completo.
Como aceitar que, de uma hora para outra, você não terá mais a companhia de alguém que sempre foi tão presente em sua vida? Ah, e não me venham falar em vida eterna! Embora minha fé professe a sua existência, a falta a que me refiro é mesmo a desta vida terrena. E é uma falta enorme. Pior ainda: irreversível. Que vai perdurar até o momento em que chegar a minha vez de pleitear um bom lugar no infinito.
O luto é um dos instantes em que o conflito entre razão e emoção se impõe de forma mais aguda. Por mais que, no fundo, você tenha a exata ciência de que a morte é um fato consumado e absoluto, que não dá margem a nenhum tipo de retorno, às vezes surge a sensação, tão forte quanto, de que o familiar adorado está apenas tomando lugar em alguma viagem. E que logo retornará...
Qualquer que seja o modo de encarar a morte, no fim é a saudade que prevalece. Uma saudade muito forte e também heterogênea. Heterogênea porque é feliz de um lado, aquele em que evoca os muitos momentos de felicidade proporcionados pela (agora) antiga presença do ente que se foi. E heterogênea, de outro lado, porque também gera a constatação de que você não poderá mais abraçar, nem entregar-se ao abraço daquela pessoa que encerrou seu ciclo nesta terra.
Estas breves considerações têm relação direta com a dura experiência por que passo no momento. Meu amado pai, Francisco Garcia de Araújo Filho, faleceu há quase duas semanas, depois de enfrentar um câncer, doença que, uma vez instalada, devasta corpo e alma de suas vítimas - como, de resto, também a vida dos familiares destas.
E quando falo em "enfrentar" não estou usando linguagem figurada. Assim como em outras lutas que precisou empreender, meu pai partiu para sua derradeira batalha com as mesmas armas que sempre sacava e que, de tanto personificá-las, acabaram por se tornar sinônimos de sua vida: serenidade, coragem e dignidade. Cerca de dois anos atrás, logo após sofrermos juntos, ele, seus familiares e amigos, com o impacto do diagnóstico desta perversa doença, envidamos, sob a liderança terna e firme dele, as primeiras providências relativas ao tratamento.
Rapidamente, iríamos descobrir que o combate ao câncer não se limita à doença em si. Tivemos, também, que nos deparar com outros "cânceres", estes instalados não nos organismos, mas em algumas almas humanas. Se é que se pode atribuir almas a pessoas tão frias e indiferentes ante o sofrimento e a necessidades urgentes de um próximo. É muito desalentador constatar que essas pessoas existem e que, em nome da ganância e do cuidado extremo com os próprios umbigo e conta bancária, não fazem nenhum esforço para sequer fingir compaixão, ainda que esse fingimento seja completamente desnecessário.
Felizmente, há também o outro lado dessa história, o lado bom, verdadeiramente humano e que é constituído - hoje, é possível fazer com clareza esse tipo de balanço - da esmagadora maioria das pessoas. Para cada demonstração de desamor diante da angústia alheia, é possível se contabilizar, numa estimativa muito modesta, cinco manifestações verdadeiras de apreço, solidariedade e consideração. Vou pedir desculpas a todas essas pessoas por não nominá-las uma por uma neste espaço. Não o farei exatamente porque elas formam um grupo muito numeroso e porque, em casos assim, sempre podemos cometer o pecado da omissão, o que seria de extrema injustiça neste caso. Prefiro fazer o que venho fazendo junto com minha família: ratificar diretamente a elas nossa gratidão eterna pelos gestos nobilíssimos, porque autênticos e desprendidos, que tiveram para com meu pai.
Não quero aqui apelar para a pieguice, mas faço questão de dizer com todas as letras que exemplos como o do meu pai e dessas pessoas ainda me fazem acreditar na humanidade e nos propósitos para os quais ela foi concebida originalmente, como nos ensina Deus. Mais: esses exemplos nos dão uma vontade tremenda de levá-los adiante. Para disseminá-los e perpetuá-los. É o que eu, particularmente, já procurava fazer. Não porque eu seja especialmente bom ou diferenciado, mas porque foi este o ensinamento que recebi dos meus pais (minha querida mãe também tem muito mérito nisso). A partir de agora, buscarei fortalecer ainda mais esse comportamento.
Como declarei a este mesmo portal Nominuto que me acolhe, em frase reproduzida em matéria escrita com muita sensibilidade pela talentosa repórter Melina França, o homem Francisco Garcia era um exemplar como é raro se achar hoje em dia.
Num mundo tão carente de valores éticos, morais e amorosos, ele os esbanjava. Tinha-os aos montes. E o mais importante é que fazia questão de dividir e transmitir esses valores a todos os que o cercavam. Não havia, aí, nenhuma pretensão de manipular corações e mentes, nem tampouco nenhuma vocação messiânica. O intuito, singelo e ao mesmo tempo grandioso, era, sempre, o de contribuir, de ajudar. Não foram poucas as vezes em que, solicitado, conseguiu com uma boa conversa levar à reflexão e abrir novos horizontes para os que buscavam seu auxílio.
Quem o conheceu, pode comprovar que minhas palavras sobre ele não têm nada de exagero. Quem não o conheceu, perdeu a oportunidade de desfrutar de uma das melhores companhias que se pode ter. Isto em termos de bondade, companheirismo, compreensão e de vontade genuína de ajudar o próximo, mesmo que isso significasse abrir mão do bem-estar próprio.
Aos leitores, peço licença por trazer a este espaço um assunto aparentemente restrito ao âmbito pessoal. Na verdade, considero que estas observações têm uma função que ultrapassa o caráter de tributo à memória do meu pai. Elas embutem, na minha visão, a importância que têm todas as mensagens que visem a exaltar as boas referências de que o mundo hoje tanto precisa e que eram um exercício constante na vida de Francisco Garcia.
Encerro este texto voltando a falar do tempo e do seu pretenso poder de cicatrizar as feridas da alma. Reitero minha torcida para que esse poder seja real e que possamos, eu e minha família, conviver melhor com o fato de que não teremos mais nosso Francisco Garcia nesta vida. Por ora, o tempo só me dá uma certeza: a de que ele nunca vai sequer diminuir o grande amor que sinto pelo meu pai.
* Marcos Alexandre é jornalista e comentarista político, mantenedor do Blog Palanque (www.nominuto.com/blog/palanque-com).
Suas palavras são emocionantes, mas lembre-se que a bondade e luz de Seu pai continuará para sempre, pois o que morre é a matéria a vida continua, e ele agora em espírito contunuará transmitindo muito amor e muita luz, aqueles necessitados.
ResponderExcluirComo você mesmo disse o tempo não é capaz de apagar a chama da falta, da saudade, mas ao menos a deixa mais branda. Força e paz de espírito para você e sua família.
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