Por Paulo Afonso Linhares*
No blog do jornalista Marcelo Migliaccio (http://bit.ly/9geOcP), há jocoso e interessante texto em que investiga qual seria o santo padroeiro dos corruptos, mesmo porque "se até cambista tem santo padroeiro – São Mateus – por que corruptos não teriam?" E vai em frente a levantar nomes de santos e a vê-los como inviáveis para padroeiro dos aficionados pela cor cinza, própria dos cofres públicos. Vencido nesse périplo hagiológico tira do bolso do colete uma boa solução: trocar o "t" pelo "f" no nome de Santo Atanásio de Alexandria, bispo e doutor da Igreja Católica, que passaria simplesmente a se denominar "Santo Afanásio". Puxaria uma perninha para acrescentar a procedência do santo, que não mais seria a longínqua Alexandria, mas Brasília, capital da República: Santo Afanásio de Brasília, padroeiro dos corruptos! E haja romaria de vereadores, prefeitos, empresários, lobistas, deputados, senadores, ministros e governadores, afanadores dos dinheiros públicos, a pedir proteção contra inquéritos, CPIs e sobretudo essas operações de nomes difíceis e bestas - geralmente tirados do grego - feitas pela Polícia Federal.
Ao espírito republicano soa estranho que atualmente falar de corruptos, de corrupção e de corruptores, tornou-se uma banalidade, algo sem nenhuma importância, como se o caminho certo sempre fosse a enviesada senda que passa por longe da lei, da moral pública e da postura política de respeito ao patrimônio coletivo. No entanto, é preciso analisar com especial cuidado essa questão para fugir da banalidade e, principalmente, dos tantos estereótipos construídos pelas mídias, posto que a partir de fatos e situações, sobre a corrupção, corruptos e, bem mais raramente, sobre os corruptores, estes que, como de hábito, jamais aparecem e comparecem. Esses ladravazes do patrimônio público nem sempre correspondem ao tipo que leva dinheiro na cueca ou nas meias, achacam pessoas à luz do dia (ou na escuridão da noite...) atrás de receber "bola", que nada tem a ver com a vedete Jabulani da Copa 2010... Claro, as grandes propinas hábil e camufladamente pagas em todos os níveis da República e o superfaturamento de preços pagos por obras, bens e serviços públicos, continuam a irrigar os cofres dos poderosos com fortunas que, nestes períodos eleitorais, se transformam em excelentes "iscas" para fisgar cabos eleitorais, chefetes políticos de todos os naipes e, infelizmente, o próprio eleitor que negocia o seu voto a troco de qualquer bugiganga.
Há, todavia, formas de corrupção bem mais difíceis de serem caracterizadas, embora sejam tão ou mais deletérias que as já referidas acima. Elas tem uma característica comum: em regra aconchegam-se no seio das leis. Bem entendido, leis formalmente aprovadas, eficazes, porém, ilegítimas. É o conhecido confronto filosófico entre o legal e o legítimo, sendo o primeiro um requisito e um atributo do poder (exercido através de normas aceitas pelas comunidade), enquanto que o último se traduz na qualidade do poder (alicerçado na vontade geral, expressão fática dos anseios de uma comunidade). Uma lei que contraria os interesses da maioria e cria privilégios para minorias, tem timbre de legalidade, mas, carece de legitimidade e, portanto, não deveria prevalecer.
Algumas categorias servidores do Estado, que exercem cargos públicos conquistados através de concurso de provas e títulos, principalmente as das chamadas "carreiras de Estado", arvorando-se senhoras do Erário, têm sido pródigas no engendrar de leis e decisões judiciais que lhes conferem remunerações vultosas e privilégios que destoam do espírito republicano. Apegados às frias letras de leis nem sempre legítimas, os membros dessas poderosas corporações perpetuam à sombra do Estado um regime de privilégios que, em muitos casos, não deixam de ser sofisticadas formas de corrupção muito dificilmente extirpáveis, porquanto delas se refestelam aqueles cujas atribuições seriam destruí-las. Ademais, todo mundo teme levantar uma pontinha desse tapete de insuspeitas sujeiras, mesmo os poderosos da imprensa. E haja súplica para Santo Afanásio de Brasília.
* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público-Geral do Estado, Professor e escritor.
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