segunda-feira, 14 de junho de 2010

Impostômetro

Por Osiris Silva*

Em artigo publicado na FSP, Guilherme Afif Domingos, Vice-Presidente da ACA/SP, analisa a carga tributária próxima de 40% (2/5) do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil. Segundo o Impostômetro, que mostra a arrecadação dos tributos, taxas e contribuições cobradas pelos governos federal, estaduais e municipais registrou, em 2 de junho passado, a monumental marca de R$500 bilhões, 22 dias antes que em 2009.

O Impostômetro, criado pela Associação Comercial de S. Paulo, em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Tributário, foi inaugurado em 20 de abril de 2005. Segundo Afif Domingos, a data é uma homenagem a Tiradentes e aos Inconfidentes “que se rebelaram contra a cobrança, pela Coroa, de 1/5 do ouro extraído no país, 20% do total”, então chamado de “quinto dos infernos”.

O problema do governo não é receita, que “cresce a taxa superior a 10% sobre o ano passado”. Ocorre que “a velocidade de expansão dos gastos vem sendo maior, resultando em aumento da dívida pública e, mais grave, para o custeio da máquina, em vez de investimentos”. Enquanto a China investe 40% do PIB, montante superior ao do nosso Produto Interno Bruto, o Brasil patina por volta de 17%.

Seu artigo contesta a afirmação de Dilma Roussef, segundo quem a CPMF (cujo fim era previsto na própria Constituição) foi extinta de um dia para o outro, quando, na verdade, a sociedade teve que demonstrar forte reação até dezembro de 2007, quando finalmente o Congresso a derrubou em votação histórica.

Dilma ainda afirma que, em virtude do fim da CPMF, “houve uma perda da capacidade de fiscalização”. Ao contrário. Conforme assegura Afif, “a Receita Federal dispõe de instrumentos para acessar os dados bancários dos contribuintes sempre que necessário, além de uma ampla gama de informações que permitem acompanhar a vida financeira dos cidadãos”.

Lembra ainda, com toda razão, que “se faltou dinheiro para a saúde nos últimos anos – e concordamos com isso -, embora existam também problemas de gestão, não foi por falta de receita”. Foi, de fato, porque “a área não foi considerada prioritária por um governo que se vangloriou de ‘emprestar dinheiro ao FMI’, e ainda devido a que, como nunca na história deste país, “aumentou gastos com o funcionalismo, criou e recriou empresas estatais e vem oferecendo crédito para diversos países, em geral governados por ditadores ou populistas”.

Espera-se que o tamanho da arrecadação brasileira – de R$ 500 bilhões, em 2 de junho passado, segundo o Impostômetro de S. Paulo, “sirva para sensibilizar a população de que ela paga muito imposto, portanto, tem o direito de exigir serviços compatíveis e, sobretudo, tem obrigação de fiscalizar como são gastos esses recursos pelo governo”.

Atender tal reclamo não é um favor, mas um direito conquistado na Constituinte, consagrado na Carta Magna de 1989, de acordo com o artigo 150, parágrafo 5º, que, lembra Afif, “determina que o consumidor seja informado de quanto paga de imposto em suas compras”.

O lamentável é que tal dispositivo constitucional, não obstante projeto de lei ratificado com 1,5 milhão de assinaturas, já aprovado no Senado, encontra-se nas mãos do presidente da Câmara Federal aguardando ser votado. Até hoje.

O Lula não sabe disso?

* Osiris Silva é Economista, Consultor de Empresas, Produtor Rural e articulista do Jornal A Crítica de Manaus.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

São João, Copa e Ficha Limpa

Por Kennedy Diógenes*

Esse mês de junho nos alcançou com uma empolgação digna de um jovem virgem em um harém real, principalmente pela coincidência da copa do mundo, potencializando, significativamente, os festejos juninos.

Como de costume nesse alinhamento quadrienal, as bandeirinhas verde-amarelas passam a efeitar os "arraiás", o figurino de matuto se compõe com a camisa da selação, há a imprescindível compatibilização da sanfona e azabumba com um telão para assistir os jogos, e fogos de artifício à postos para festejarmos o São João e o gol brasileiro, em uma verdadeira epifania religioso-futebolística, além, é claro, de dois feriados inteiros (24 e 29 de junho) e três meio-feriados nos dias de jogos do Brasil (15, 20 e 25 de junho). Junho é uma festa.

Aliado a isso, os "donos da bola", detentores do Poder Estatal, que já vinham amaciando o povo com o costumeiro assistencialismo, como o bolsa família, e com pseudo-aumentos, como o da aposentadoria, fortaleciam, animados, a antiga política romana do "Panem et circenses" (Pão e Circo), acreditando que o entorpecimento popular se estenderia até as eleições, para que nada mudasse.

No entanto, em meio às disputas e negociações de apoio político, os ministros do TSE - Tribunal Superior Eleitoral, neste 10 de junho, colocaram mais "lenha na fogueira" quando, em resposta a consulta formulada pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), fixaram o entendimento de que os candidatos às eleições de 2010 devem respeitar a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), que entrou em vigor no dia 4 de junho desse ano. Ou seja, qualquer político que for julgado e condenado por um colegiado, a partir daquela data, ficará inelegível por oito anos, mesmo que a decisão ainda não tenha transitado em julgado.

Importante lembrarmos que a Lei da Ficha Limpa teve grande participação popular, obtendo, o PLP 518/2009, uma mobilização de mais de 1,5 milhões de assinaturas, sendo uma das normas eleitorais mais aguardadas, mais almejadas por todos nós, cidadãos brasileiros.

Assim, a aplicação da Lei da Ficha Limpa já nas eleições de 2010 é um verdadeiro gol de placa em favor da democracia brasileira que, amadurecida, está mais atenta aos acontecimentos políticos do país. Que  nesse São João verde e amarelo comemoremos, além do hexa, mais uma vitória do povo, que dará vivas, pois no Governo não teremos mais "quadrilhas".

* Kennedy Diógenes é Advogado, Coordenador da Defensoria Pública e articulista.








terça-feira, 8 de junho de 2010

Indolência Mortal

Por Paulo Linhares*

Recentemente uma menina foi autorizada pela Justiça a abortar de uma gravidez indesejada, proveniente de um brutal estupro. O mundo quase vem abaixo, até cardeal de Roma se meteu nessa história, em defesa da não realização do aborto, inclusive os médicos que o realizaram sofreram, ou foram ameaçados de sofrer, a máxima reprimenda imposta pela Igreja Católica: a excomunhão. Nenhuma crítica à posição dos religiosos, embora seja razoável que se defenda que, em alguns casos, como esse citado, deva ser autorizada a realização do aborto. A outra hipótese, obviamente, é o chamado aborto terapêutico, que é a interrupção da gravidez antes da viabilidade fetal com o objetivo de salvar a vida ou preservar a saúde da mãe.

Entretanto, essa questão é muito diminuída diante de uma cruel notícia levada ao ar, domingo à noite, em cadeia nacional: "Um bebê morre a cada dois dias por falta de equipamento em maternidade de Macapá". Em Macapá, as pessoas que não podem pagar os custos de uma maternidade particular, somente têm como opção a Maternidade Mãe Luzia, que faz mensalmente cerca de 800 partos. Na sua UTI neonatal existe apenas um respirador para cada três recém-nascido. A reportagem flagrou quando uma funcionária participava de uma cruel decisão: "Você está ali por um ser humano e, de repente, tem que decidir quem vive e quem morre. É muito complicado para nós".

Ouvido o diretor dessa Maternidade-açouge, disse apenas o óbvio: "As condições não são satisfatórias. Temos superlotação, carência de médicos, enfermagem. Nossa maternidade está pequena para a demanda que temos hoje", constata o diretor Dilson Ferreira da Silva que, em seguida, respondendo indagação do repórter sobre o índice de mortalidade infantil de bebês até um mês - que na Maternidade Mãe Luzia é de 32 por mil nascidos - ele apenas disse que "esse índice de mortalidade está dentro da média. Se você procurar no site do Ministério, vai olhar que está dentro da média". Absurdo. Segundo a UNICEF (conferir em http://bit.ly/98c7CJ), o Brasil foi classificado em 107º lugar no índice de mortalidade infantil de bebês até um mês, atingindo a média de 22 para cada mil bebês nascidos vivos. O governo brasileiro refutou esses dados, sobretudo pelo fato de que esse índice, no Brasil, vem caindo.

O grave dessa história toda é que ficar a discutir índices não resolve o problema. Insista-se: não se pode quebrar o termômetro para acabar com a febre. As condições reais do atendimento à saúde da população é que conta. O Estado brasileiro tem que encontrar uma solução para formar mais médicos, que é hoje um curso universitário extremamente elitizado. Uma das pilastras da solução para o problema da saúde pública, no Brasil, é a geração de um número bem maior de profissionais desta área, não apenas os médicos, mas enfermeiros, farmacêuticos-bioquímicos, fisioterapêutas, gestores hospitalares etc. As outras questões são de mera logísticas, como construir e equipar unidades de atendimento de baixa, média e alta complexidade; garantir um bom fluxos de medicamentos básicos. O dinheiro existe para isto e ainda sobre. Tem faltado mesmo é sensibilidade política para resolver esse que talvez seja o maior problema da sociedade brasileira: a assistência à saúde da população.

O certo é que as nossas crianças não podem ser vítimas do descaso nem da indolência das autoridades públicas que, por agirem assim, merecem o repúdio dos cidadãos livres desta Nação.

* Paulo Afonso Linhares é o Defensor Público Geral do Estado, Professor e escritor.

sábado, 5 de junho de 2010

O médico tirou o jaleco para cobrir o rei.

Por Leidimar Murr*

A arquitetura dos círculos de poder municipais determina cada vez mais e com amparo institucional, o como, com quem, para quem e a que fins se prestam os atendimentos médicos nos municípios brasileiros.

Sob essa ótica a saúde pública brasileira se transformou em um cárcere público travestido de boa moça. Contratos temporários e processos seletivos simplificados são apenas algumas das muitas manobras que os governos, representados na pessoa dos gestores da saúde vêm utilizando para desencadear uma série de irregularidades e ilícitos.

Se os médicos se sentem desencorajados para mover processos trabalhistas ou processos outros contra os abusos cometidos por prefeituras e gestores municipais de saúde, não é por falta de motivos, mas de provas materiais, dado que a irregularidade é tamanha que em muitos casos sequer dos contratos dispõem os médicos.

Às entidades representantes da categoria médica chegam queixas que vão desde o não pagamento pelos serviços prestados ou a coação velada para que médicos assinem contratos retroativamente, até o constrangimento a que médicos são submetidos para participar do “faz de conta que faz medicina das prefeituras”. Está havendo uma grande confusão entre opinião pública e parecer técnico. Em medicina, opinião pública não pode ser o critério determinante para a tomada de decisão.

Se uma paciente sai de uma unidade de saúde com um sorriso no rosto por ter sido recebida por um médico em uma sala inadequada, onde foi feita uma consulta em condições inadequadas, para a qual não há condições de se fazer os exames necessários ao diagnóstico e acompanhamento da paciente além do básico – e até mesmo estes muito freqüentemente não são confiáveis, – não estamos falando de fazer medicina no século XXI.

Depois de todo um repertório de carências, muito mais comumente resta ao médico prescrever uma medicação que a paciente muito mais provavelmente não fará uso, pois a Unidade não dispõe da medicação adequada. E quando faz uso da medicação, como é o caso dos medicamentos mais disponibilizados (anti-hipertensivos e anti-diabéticos), muito provavelmente os pacientes não terão sequer uma avaliação adequada e rotineira de função renal ou acesso a uma fundoscopia, só para citar um exemplo. A lista é enorme e não é aqui o caso de esgotá-la; até porque os médicos habilitados conhecem a matéria. Obviamente que se exclui desse conhecimento e reflexões os falsos médicos, aqueles que sem habilitação e sem conhecimento técnico também vem sendo granjeados para as Equipes de PSF, ou, como se prefere denominar hoje, de Estratégias de Saúde da Família.

Mas uma boa saída para que a população mantenha o sorriso apesar das graves faltas tem sido então as visitas a uma escola, ou ao domicílio do paciente. Depois se registra, grava-se, faz-se um vídeo e pedem-se mais verbas para aumentar o número de Equipes.

Nada é mais importante que a opinião pública conquistada com as imagens daquilo que há e não daquilo que falta. Mesmo porque depois de registradas, as imagens se multiplicam de forma muito mais evidente que qualquer critério técnico sobre os quais se precise refletir. E para os Conselhos Municipais de Saúde, para os clubes de mãe ou líderes comunitários, aquelas imagens serão suficientes para justificar-lhes a liderança e o poder de selecionar quem em seu território recebe ou não benefícios outros, os quais não por acaso se tornou costumeiro fazer dentro das Unidades de Saúde ou de várias formas vinculados às equipes de PSF ou ao setor saúde.

Atente-se que a inserção e a expansão de equipes de PSF coincidem no Brasil com um processo de municipalização atropelado por vícios políticos indesejáveis, vícios esses que acabam por comprometer de forma negativa e equivocada a relação entre medicina e política, dado que se centra cada vez mais na política partidária, em detrimento das políticas públicas de saúde.

Há muito que o rei está nu, muitos são os que vêem que o rei está nu. Só falta aquele que grite: o rei está nu!

* Leidimar Pereira Murr é Médica, Doutora em Bioética e Professora.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A diplomacia de mão única

Por Paulo Linhares*

Inegável que os Estados Unidos da América mantêm a hegemonia política global. Mais claro, ainda, é que o seu governo, esteja no comando de republicanos (conservadores) ou de democratas (liberais), acostumou-se a impor aos outros países, sobretudo seus vizinhos latino-americanos, coisas que não deseja nem de longe para si, mais ou menos no estilo do “diga o que digo, mas não faça o que faço”. No mais, escreveu e não leu, os “marines” fazem uma visita “persuasiva” a exemplo do que ocorreu com a pequena ilha de Granada ou com a invasão do Iraque, neste caso sob o falso pretexto que o ditador Saddam Hussein colecionava um arsenal de armas químicas de destruição em massa.

Por outro lado, os EUA desejam manter um enorme arsenal de ogivas atômicas, porém, tentam impedir que outros povos possam dominar essa tecnologia da destruição em massa, o que não impediu que vários países seus aliados, como é o caso de Israel e Índia, tivessem as suas “bombinhas” na maciota e sob o complacente olhar do calhorda Uncle Sam.

A maior pendência diplomática que os EUA detêm, atualmente, é com a teocracia do Irã, em razão da intenção dos iranianos, comandados, espiritualmente pelo aiatolá Ali Khamenei, e sob o poder temporal do pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad.

A guerra verbal entre eles é enorme e sem perspectiva de se estabelecer um modus vivendi. Para evitar uma problema maior, as diplomacias da Turquia e do Brasil entraram no circuito para desarmar os ânimos. Ambos convivem razoavelmente bem com norte-americanos e iranianos. O resultado positivo foi a promessa feita por Ahmadinejad de entregar determinada quantidade de urânio enriquecido, daquele que pode ser feita a bomba atômica, em troca de urânio enriquecido em menor percentual (usado na medicina). Com isto, esperam as autoridades do Irã, não haveria mais sanções do Conselho de Segurança da ONU. Acordo fechado e assinado festivamente por Lula, Ahmadinejad e Abdullah Gül. Nada, porém, estava resolvido. Os norte-americanos não gostaram nem um pouco dessa história.

O presidente Obama manteve-se silente, mas certamente determinou que a secretaria de Estado Hillary Clinton batesse pesado, sobretudo no “cara”, o presidente Lula. Ela veio de tacape em riste e disse que o Irã está usando o Brasil, e que atitudes como a do Brasil e da Turquia "tornam o mundo mais perigoso". E arrematou Hillary: "Sem dúvida, temos sérias discordâncias com a política diplomática do Brasil em relação ao Irã, mas nossa discordância não mina nosso comprometimento de ver o Brasil como um país amigo e parceiro".

É bom mesmo que assim seja, pois, afinal, os EUA são o nosso melhor parceiro comercial, mas, o Brasil deve manter uma política externa independente e não-alinhada. Não temos obrigação alguma de agradar país algum, mesmo porque já ensinava o mesmo Kissinger que “países não têm amigos, têm interesses”.

Os norte-americanos talvez não tenham avaliado o potencial de uma diplomacia mais eficiente do Brasil, principalmente pela necessidade de ter um aliado forte com liderança na América Latina. Neste sentido, a parte do Brasil está sendo feita e a questão não se reduz à amizade entre Lula e o doido do Ahmadinejad. É fato que o Brasil tem interesses comerciais concretos a defender, sobretudo pelo fato de que as suas relações comerciais com o Irã sempre foram boas e não é razoável que perca mercados somente para agradar à Sra. Clinton. O Brasil tem o direito de fazer o seu próprio jogo.

Paulo Afonso Linhares é Defensor Público-Geral do Estado, professor e escritor.