Por Leidimar Murr*
A arquitetura dos círculos de poder municipais determina cada vez mais e com amparo institucional, o como, com quem, para quem e a que fins se prestam os atendimentos médicos nos municípios brasileiros.
Sob essa ótica a saúde pública brasileira se transformou em um cárcere público travestido de boa moça. Contratos temporários e processos seletivos simplificados são apenas algumas das muitas manobras que os governos, representados na pessoa dos gestores da saúde vêm utilizando para desencadear uma série de irregularidades e ilícitos.
Se os médicos se sentem desencorajados para mover processos trabalhistas ou processos outros contra os abusos cometidos por prefeituras e gestores municipais de saúde, não é por falta de motivos, mas de provas materiais, dado que a irregularidade é tamanha que em muitos casos sequer dos contratos dispõem os médicos.
Às entidades representantes da categoria médica chegam queixas que vão desde o não pagamento pelos serviços prestados ou a coação velada para que médicos assinem contratos retroativamente, até o constrangimento a que médicos são submetidos para participar do “faz de conta que faz medicina das prefeituras”. Está havendo uma grande confusão entre opinião pública e parecer técnico. Em medicina, opinião pública não pode ser o critério determinante para a tomada de decisão.
Se uma paciente sai de uma unidade de saúde com um sorriso no rosto por ter sido recebida por um médico em uma sala inadequada, onde foi feita uma consulta em condições inadequadas, para a qual não há condições de se fazer os exames necessários ao diagnóstico e acompanhamento da paciente além do básico – e até mesmo estes muito freqüentemente não são confiáveis, – não estamos falando de fazer medicina no século XXI.
Depois de todo um repertório de carências, muito mais comumente resta ao médico prescrever uma medicação que a paciente muito mais provavelmente não fará uso, pois a Unidade não dispõe da medicação adequada. E quando faz uso da medicação, como é o caso dos medicamentos mais disponibilizados (anti-hipertensivos e anti-diabéticos), muito provavelmente os pacientes não terão sequer uma avaliação adequada e rotineira de função renal ou acesso a uma fundoscopia, só para citar um exemplo. A lista é enorme e não é aqui o caso de esgotá-la; até porque os médicos habilitados conhecem a matéria. Obviamente que se exclui desse conhecimento e reflexões os falsos médicos, aqueles que sem habilitação e sem conhecimento técnico também vem sendo granjeados para as Equipes de PSF, ou, como se prefere denominar hoje, de Estratégias de Saúde da Família.
Mas uma boa saída para que a população mantenha o sorriso apesar das graves faltas tem sido então as visitas a uma escola, ou ao domicílio do paciente. Depois se registra, grava-se, faz-se um vídeo e pedem-se mais verbas para aumentar o número de Equipes.
Nada é mais importante que a opinião pública conquistada com as imagens daquilo que há e não daquilo que falta. Mesmo porque depois de registradas, as imagens se multiplicam de forma muito mais evidente que qualquer critério técnico sobre os quais se precise refletir. E para os Conselhos Municipais de Saúde, para os clubes de mãe ou líderes comunitários, aquelas imagens serão suficientes para justificar-lhes a liderança e o poder de selecionar quem em seu território recebe ou não benefícios outros, os quais não por acaso se tornou costumeiro fazer dentro das Unidades de Saúde ou de várias formas vinculados às equipes de PSF ou ao setor saúde.
Atente-se que a inserção e a expansão de equipes de PSF coincidem no Brasil com um processo de municipalização atropelado por vícios políticos indesejáveis, vícios esses que acabam por comprometer de forma negativa e equivocada a relação entre medicina e política, dado que se centra cada vez mais na política partidária, em detrimento das políticas públicas de saúde.
Há muito que o rei está nu, muitos são os que vêem que o rei está nu. Só falta aquele que grite: o rei está nu!
* Leidimar Pereira Murr é Médica, Doutora em Bioética e Professora.
Doutora Lidimar Murr, com doutorado na Alemanha, um país desenvolvido e estruturado, organizado e em funcionamento volta ao Brasil "em desenvolvimento" e "em formação" e tem um choque cultural. O Brasil, não é um país justo, nem perfeito. Mas, bem que poderia ser. Temos os Tribunais de contas, União e Estados. Município, parece-me que somente o de São Paulo, capital de São Paulo. Temos as Câmaras municipais que poderiam, a partir desta manifestação de inconformidade de uma cientista médica e cidadã comprovar os fatos. Temos no âmbito nacional o Controle Externo (Tribunal de Contas) e o Controle Interno para fiscalizar os recursos da União, com pessoas competentes e capacitadas. Já disseram e é bom que se repita, ao rei tudo, menos a nossa dignidade. O Presidente Lula, no ímpeto de eleger a ex-chefe da Casa Civil chamando-a, numa propaganda subiliminar de mãe do PAC, ficou indignado quando o Tribunal de Contas da União indicou nas relatórios as irregularidades nas obras. Que exemplo, o meu rei aprontou. Respeito o Presidente da República, mas o que farão os prefeitos de cinco mil municípios, senão o mimetismo ideológico do presidente Lula. Felizmente, nem todos copiam o jogo emocional do nosso presidente. Mas, com racionalidade, seguindo a Constituição Federal, Estaduais e Leis Orgânica dos Municipios e Legislação infra constitucional com dignidade. Assim sendo, o nosso país ficará livre dos falsos líderes.
ResponderExcluirJá estava na hora de uma manifestação de indignação por parte de profissionais médicos que lidam diretamente com o problema e a Dra. Leidimar Murr, uma profissional lúcida e íntegra, coloca aqui sua indignação com muita clareza. O PSF já nasceu abortado, fadado ao fracasso. Como a própria Dra. já disse, há muito o rei exibe suas "vergonhas" para uma platéia engessada e entorpecida. Talvez isso explique o silêncio de muitos que gritem que ele está nu. Quanto a indignação de Lula com o Tribunal de Contas, não esqueçam daquele velho ditado político: "ditadura é quando você me governa. Quando eu te governo, é democracia".
ResponderExcluir