terça-feira, 8 de junho de 2010

Indolência Mortal

Por Paulo Linhares*

Recentemente uma menina foi autorizada pela Justiça a abortar de uma gravidez indesejada, proveniente de um brutal estupro. O mundo quase vem abaixo, até cardeal de Roma se meteu nessa história, em defesa da não realização do aborto, inclusive os médicos que o realizaram sofreram, ou foram ameaçados de sofrer, a máxima reprimenda imposta pela Igreja Católica: a excomunhão. Nenhuma crítica à posição dos religiosos, embora seja razoável que se defenda que, em alguns casos, como esse citado, deva ser autorizada a realização do aborto. A outra hipótese, obviamente, é o chamado aborto terapêutico, que é a interrupção da gravidez antes da viabilidade fetal com o objetivo de salvar a vida ou preservar a saúde da mãe.

Entretanto, essa questão é muito diminuída diante de uma cruel notícia levada ao ar, domingo à noite, em cadeia nacional: "Um bebê morre a cada dois dias por falta de equipamento em maternidade de Macapá". Em Macapá, as pessoas que não podem pagar os custos de uma maternidade particular, somente têm como opção a Maternidade Mãe Luzia, que faz mensalmente cerca de 800 partos. Na sua UTI neonatal existe apenas um respirador para cada três recém-nascido. A reportagem flagrou quando uma funcionária participava de uma cruel decisão: "Você está ali por um ser humano e, de repente, tem que decidir quem vive e quem morre. É muito complicado para nós".

Ouvido o diretor dessa Maternidade-açouge, disse apenas o óbvio: "As condições não são satisfatórias. Temos superlotação, carência de médicos, enfermagem. Nossa maternidade está pequena para a demanda que temos hoje", constata o diretor Dilson Ferreira da Silva que, em seguida, respondendo indagação do repórter sobre o índice de mortalidade infantil de bebês até um mês - que na Maternidade Mãe Luzia é de 32 por mil nascidos - ele apenas disse que "esse índice de mortalidade está dentro da média. Se você procurar no site do Ministério, vai olhar que está dentro da média". Absurdo. Segundo a UNICEF (conferir em http://bit.ly/98c7CJ), o Brasil foi classificado em 107º lugar no índice de mortalidade infantil de bebês até um mês, atingindo a média de 22 para cada mil bebês nascidos vivos. O governo brasileiro refutou esses dados, sobretudo pelo fato de que esse índice, no Brasil, vem caindo.

O grave dessa história toda é que ficar a discutir índices não resolve o problema. Insista-se: não se pode quebrar o termômetro para acabar com a febre. As condições reais do atendimento à saúde da população é que conta. O Estado brasileiro tem que encontrar uma solução para formar mais médicos, que é hoje um curso universitário extremamente elitizado. Uma das pilastras da solução para o problema da saúde pública, no Brasil, é a geração de um número bem maior de profissionais desta área, não apenas os médicos, mas enfermeiros, farmacêuticos-bioquímicos, fisioterapêutas, gestores hospitalares etc. As outras questões são de mera logísticas, como construir e equipar unidades de atendimento de baixa, média e alta complexidade; garantir um bom fluxos de medicamentos básicos. O dinheiro existe para isto e ainda sobre. Tem faltado mesmo é sensibilidade política para resolver esse que talvez seja o maior problema da sociedade brasileira: a assistência à saúde da população.

O certo é que as nossas crianças não podem ser vítimas do descaso nem da indolência das autoridades públicas que, por agirem assim, merecem o repúdio dos cidadãos livres desta Nação.

* Paulo Afonso Linhares é o Defensor Público Geral do Estado, Professor e escritor.

Um comentário:

  1. Fatos e soluções ainda estão distantes, entre aqueles que tem o poder de decidirem o futuro de nossas crianças, pois encontran-se em estado de morosidade ou ócio. (Ferro Neles)......
    Joel Santos (Sandro).

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