quinta-feira, 3 de junho de 2010

A diplomacia de mão única

Por Paulo Linhares*

Inegável que os Estados Unidos da América mantêm a hegemonia política global. Mais claro, ainda, é que o seu governo, esteja no comando de republicanos (conservadores) ou de democratas (liberais), acostumou-se a impor aos outros países, sobretudo seus vizinhos latino-americanos, coisas que não deseja nem de longe para si, mais ou menos no estilo do “diga o que digo, mas não faça o que faço”. No mais, escreveu e não leu, os “marines” fazem uma visita “persuasiva” a exemplo do que ocorreu com a pequena ilha de Granada ou com a invasão do Iraque, neste caso sob o falso pretexto que o ditador Saddam Hussein colecionava um arsenal de armas químicas de destruição em massa.

Por outro lado, os EUA desejam manter um enorme arsenal de ogivas atômicas, porém, tentam impedir que outros povos possam dominar essa tecnologia da destruição em massa, o que não impediu que vários países seus aliados, como é o caso de Israel e Índia, tivessem as suas “bombinhas” na maciota e sob o complacente olhar do calhorda Uncle Sam.

A maior pendência diplomática que os EUA detêm, atualmente, é com a teocracia do Irã, em razão da intenção dos iranianos, comandados, espiritualmente pelo aiatolá Ali Khamenei, e sob o poder temporal do pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad.

A guerra verbal entre eles é enorme e sem perspectiva de se estabelecer um modus vivendi. Para evitar uma problema maior, as diplomacias da Turquia e do Brasil entraram no circuito para desarmar os ânimos. Ambos convivem razoavelmente bem com norte-americanos e iranianos. O resultado positivo foi a promessa feita por Ahmadinejad de entregar determinada quantidade de urânio enriquecido, daquele que pode ser feita a bomba atômica, em troca de urânio enriquecido em menor percentual (usado na medicina). Com isto, esperam as autoridades do Irã, não haveria mais sanções do Conselho de Segurança da ONU. Acordo fechado e assinado festivamente por Lula, Ahmadinejad e Abdullah Gül. Nada, porém, estava resolvido. Os norte-americanos não gostaram nem um pouco dessa história.

O presidente Obama manteve-se silente, mas certamente determinou que a secretaria de Estado Hillary Clinton batesse pesado, sobretudo no “cara”, o presidente Lula. Ela veio de tacape em riste e disse que o Irã está usando o Brasil, e que atitudes como a do Brasil e da Turquia "tornam o mundo mais perigoso". E arrematou Hillary: "Sem dúvida, temos sérias discordâncias com a política diplomática do Brasil em relação ao Irã, mas nossa discordância não mina nosso comprometimento de ver o Brasil como um país amigo e parceiro".

É bom mesmo que assim seja, pois, afinal, os EUA são o nosso melhor parceiro comercial, mas, o Brasil deve manter uma política externa independente e não-alinhada. Não temos obrigação alguma de agradar país algum, mesmo porque já ensinava o mesmo Kissinger que “países não têm amigos, têm interesses”.

Os norte-americanos talvez não tenham avaliado o potencial de uma diplomacia mais eficiente do Brasil, principalmente pela necessidade de ter um aliado forte com liderança na América Latina. Neste sentido, a parte do Brasil está sendo feita e a questão não se reduz à amizade entre Lula e o doido do Ahmadinejad. É fato que o Brasil tem interesses comerciais concretos a defender, sobretudo pelo fato de que as suas relações comerciais com o Irã sempre foram boas e não é razoável que perca mercados somente para agradar à Sra. Clinton. O Brasil tem o direito de fazer o seu próprio jogo.

Paulo Afonso Linhares é Defensor Público-Geral do Estado, professor e escritor.

Um comentário:

  1. Um texto sensato sobre a questão do Irã, e sobre a linha independente da política externa brasileira. Infelizmente, na imprensa brasileira, estão ficando mais raros comentários isentos, neste período eleitoral. Parabéns ao articulista.

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