sexta-feira, 19 de março de 2010
Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.
quarta-feira, 17 de março de 2010
Assú: Casa dos Conselhos
segunda-feira, 15 de março de 2010
A cura de Schopenhauer e a mediocridade da vida moderna.
* Kennedy Lafaiete Fernandes Diógenes é advogado e articulista.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Os desafios de um CDC vintenário
domingo, 7 de março de 2010
Concepção de Justiça e Sistema de Cotas.
O que significa a crescente onda de reivindicações no Brasil por justiça social? Por que as reivindicações por sistemas de cotas, no lugar de contar com amplo consenso social e político tem causado mais polêmica que sossego? Porque no Brasil o conceito de justiça está equivocadamente atrelado ao ultrapassado conceito de justiça por igualdade de resultados. Ultrapassado não na forma dos modismos que freqüentemente tomam conta da sociedade brasileira. Ultrapassado por ter sido abandonado pelas democracias contemporâneas com base nas duras experiências que a história deixa como legado.
Os homens não são iguais. Justiça não é querer igualá-los à força. Justiça não está nos fins e sim nos meios. Justiça não está em impor uma igualdade impossível, mas, sim, em dispensar tratamentos iguais. Ou seja, todos devem ser tratados iguais, »inclusive perante a lei«, a despeito das desejáveis e maravilhosas diferenças individuais.
Tratamento digno e igual não é compatível com igualdade de resultados. O papel do Estado não é impor, por meios legalistas, igualdade de fins, mas sim providenciar por mecanismos legítimos de políticas públicas para que aquele cujas diferenças tenham levado a uma situação de desigualdade associada à desvantagem social possa usufruir de uma vida humanamente, socialmente e politicamente digna. Apesar de não se pretender com o presente texto encontrar respostas para todas as questões aqui levantadas, entende-se que são questões que merecem chegar à sociedade brasileira. Não pode ser tabu se questionar a concepção de justiça que o Brasil vem adotando. Esse é o momento. Se não é pretensão aqui encontrar as respostas para as perguntas lançadas, o é inaugurar esse momento.
No Brasil, eu me arrisco a afirmar, só há uma forma de efetivamente se fazer a tão esperada justiça social. Certamente não será por meio de leis e cotas, mas por mecanismos que visem à consolidação das instituições que compõem o Estado Democrático de Direito. Para consolidá-las é preciso que lhes favoreça o cumprimento de papel institucional. Que se busque a competência na realização de suas funções e a observância de que cumpram estas funções. Urge o questionamento das instituições e seu papel, reivindicação consensualmente e constitucionalmente expressa pelos Estados Democráticos de Direito, dentre os quais o Brasil. É do Estado administrativo de que carece o Brasil.
Esse lançar propostas de cotas para todos os lados desvia o foco do aspecto mais urgente e central às democracias contemporâneas de economias emergentes, que é a consolidação institucional. Passa-se a questionar as inferências das decisões políticas (no sentido amplo da palavra) sobre essas instituições, instituições que sequer apreenderam ou aprenderam seus papéis. Basta que se tomem como exemplo os casos recentes de promotores que em atitude abusiva prende mães de alunos que faltaram a aulas, ou mantém sob ameaça, adolescentes, impedindo-os de transitar às ruas determinados horários.
Pergunta-se: há crianças de Rua no Brasil ou pelo menos nessas cidades onde se tomou atitude tão ousada? Se houver, cabe a todo pai e mãe que tem que manter seu filho impedido de sair em determinado horário processar também o Estado. Pergunta-se: as escolas onde estudam as crianças que faltaram e tiveram suas mães privadas de liberdade em delegacias dispõem de quantos mestres competentes para o ensino? As crianças estão em segurança? Entenda-se que aqui não se trata de apologia a falta à escola ou à defesa de crianças tarde da noite perambulando pelas ruas. Aqui se trata da defesa de liberdades privadas onde o poder público pode intervir na forma de consciência ou estímulo, mas nunca de forma coercitiva. Trata-se da constatação de que há entre nossos homens e mulheres da lei alguns que parecem ainda não saber o significado e o papel do Estado, da Constituição e da sua própria função e papel institucional. Trata-se de constatar nas instituições que fazem o Estado brasileiro a existência não pouco comum de profissionais que confundem convicções pessoais com papéis profissionais, até mesmo em posições de representantes do Estado. Trata-se de constatar que a intromissão da via pública na vida privada nos moldes do contrato social de Rosseau não cabe na acepção contemporânea do Estado Democrático de Direito.
Como vencer esse analfabetismo funcional e incompetência institucional que assola nossa sociedade e compromete a legitimidade do Estado? Certamente não será por meio de cotas. Nenhuma sociedade até hoje avançou por meio de cotas. Por mais bem intencionado que seja o sistema de cotas, no contexto brasileiro ele tem pressupostos que mais ferem que viabilizariam justiça social. No Brasil não se pode lançar mão de argumentos do tipo »mas os Estados Unidos operam sistema de cotas em alguns setores« ou ainda »mas a Alemanha aplica sistema de cotas para incentivar a presença de mulheres em alguns setores da sociedade«.
Perceba-se que a adoção de um sistema de cotas em setores isolados da sociedade em Estados democráticos com instituições consolidadas só se deu após uma série de outras políticas públicas e indicadores compatíveis. A política de cotas só foi adotada em sociedades avançadas de organização complexa após a obtenção de determinados indicadores, não para alcançá-los. Ali a política de cotas não pretendia fazer justiça, apenas melhorar uma distribuição residual. Poderia até se dizer uma forma de justiça, mas a posteriori, secundária a justiça de igual tratamento. Não é o mesmo que ocorre com as reivindicações por sistemas de cotas no Brasil.
Fosse se aplicar um sistema de cotas no Brasil, ele deveria começar na política, incluindo o Congresso e o Senado. Vamos distribuir os cargos e funções em proporções iguais entre brancos, negros, índios, pobres e ricos. Vamos instituir uma representação presidencial rotatória: um mandato será ocupado por um negro; o outro, por um índio; depois, por um branco; depois outro por um pobre; e por último por um rico; alternando, uma vez um homem, outra vez uma mulher. Depois se opera ainda as diversas combinações possíveis. E da mesma forma que no Congresso, também no Senado. Então cada um teria sua vez de dizer a que veio.
Apesar de cômica, não consigo dar outra classificação para essa idéia. Por que será? Será que é porque estamos todos convencidos de que realmente não se faz justiça com igualdade de resultados? Será que ser politicamente correto não seria uma conseqüência de ações coerentes com ideologia não discriminatória, onde todos devem ser tratados de forma digna e igual? Ou será que ser politicamente correto é fazer imediatamente coro de forma não refletida e precipitada com tudo que pretenda negar um fato na humanidade: o preconceito em torno das diferenças.
Para vencer o preconceito em torno das diferenças o que é preciso que se faça? Impor uma igualdade de resultados até mesmo onde o mérito e o merecimento são não só socialmente desejáveis, mas essenciais inclusive ao desempenho social? Se é fato que há diferenças entre os indivíduos, o que significa dispensar tratamentos iguais a despeito das diferenças para satisfazer uma – ainda que legítima – reivindicação social por justiça? É certo que apesar das brincadeiras com as quais se pretendeu tornar a leitura mais agradável para um público mais amplo que o de filósofos e cientistas políticos, o tema justiça e os critérios para se definir justiça e justiça social merecem uma atenção toda especial.
Com certeza não são tão simples como pode ter parecido na descrição dada até aqui. Mas o intuito do texto é apenas instigar o debate público acerca das concepções de justiça, pois se entende que é um debate que se faz urgente no Brasil. Apesar da indubitável boa intenção daqueles que estão lutando pelo sistema de cotas no Brasil – isso é perceptível nos debates públicos, – aqui se discorda do conceito de justiça como igualdade de resultados. No Brasil, parece que essa acepção de justiça não é questionada publicamente. Nem por isso é consenso, no entanto. Essa falta de consenso fica claro nos pronunciamentos contrários ao sistema de cotas, que também cometem a mesma falha de não trazer para o debate público e para a sociedade brasileira, outras acepções de justiça que melhor se compatibilizem com o pensamento do direito político contemporâneo. Que tenha início o debate!
* Leidimar Pereira Murr é Médica, Doutora em Bioética, Professora e articulista.
Por que os Bancos lucram tanto?
Como questão preliminar é bom enfatizar que não acho que o lucro seja algo pecaminoso, que, a despeito de acreditar nas teses do socialismo de inafastável corte democrático, acredito no papel que a iniciativa privada joga nas sociedades contemporâneas, mormente na dinamização da economia, coisa que o Estado tem dificuldade de fazer, sobretudo porque os barnabés e burocratas padecem de enorme déficit de criatividade.
Aliás, a criatividade deles se esvai na eterna faina de acrescentar ao contracheque qualquer penduricalho que seja, uma gratificaçãozinha raquítica, um adicional não-sei-de-que–lá, enfim, algo que possa “esticar” seus vencimentos, soldos, proventos etc. Aliás, a cultura mais arraigada no serviço público brasileiro, é a da insanável incompetência do Estado como empreendedor.
Claro, tudo isso é mero pano-de-boca, os órgãos públicos podem ser tão competentes e eficientes quanto as instituições privadas, algo já mais do que provado e comprovado através de inúmeros casos de grande sucesso de empreendimentos públicos, de bem sucedidas políticas públicas. O mesmo se diga relativamente aos últimos governos da nação, inclusive o atual, do presidente Lula, cujos méritos tem sido decantados – parcimoniosamente – por nós, neste mesmo espaço domingueiro e até através de outras mídias.
No entanto, algo que nos intriga é o favorecimento excessivo de alguns setores da economia, em alguns casos envolvendo empresas de economia mista, como é o caso da Petrobrás, algumas concessionárias de serviços elétricos e de telecomunicações. Porém, nenhum setor tem merecido mais dengos do Estado brasileiro que os bancos, tanto os da rede pública (agora bem poucos...) quanto aqueles marcadamente privados e que representam os interesses mais refinados do capitalismo selvagem que se pratica, ainda, por estas bandas do mundo.
Os banqueiros, no Brasil, não têm do que reclamar do governo que os proteje com leis brandas, com uma política tributária generosíssima, em que o governo é pai e mãe a um só tempo, isto sem falar na política financeira de compulsórios que pesam pouco para os banqueiros. Compulsório é aquele percentual dos depósitos à vista que o Banco Central recolhe, periodicamente, para evitar o crescimento exagerado e danoso do meio circulante, da moeda.
Tudo isso, aliás, sem falar nos aportes de capital público que têm sido feito para manter a “saúde” do sistema financeiro. No governo FHC foi até criado um programa específico para essa política, o Proer. E o vento levou... milhões e milhões de reais do dinheiro público, enquanto isso milhares de pequenas empresas soçobram diante dos vagalhões de tributos, normas ambientais, entraves burocráticos de todo tipo, obrigações sociais e trabalhistas que desestimulam o emprego etc.
Agora, quando se trata do sistema bancário, a coisa corre solta, sem freio algum, as benesses de que gozam dos poderes públicos, levam os bancos de varejo brasileiros a lucros extraordinários, a ganhos estratosféricos. Bastava que os bancos fossem tributados como é a pessoa física, o assalariado que é um contribuinte cativo do Imposto de Renda de Pessoa Física, pois não tem como escapar do desconto mensal diretamente no seu contracheque, quando é obrigado, manu militari, a abrir mão de quase 40% de sua remuneração, quando feito, também, o desconto previdenciário.
Fiscalizar os contribuintes assalariados de classe média dá menos trabalho e nenhum aborrecimento político; difícil é fiscalizar banqueiro. Aliás, o principal imposto municipal – o Imposto sobre Serviços (ISS) – não é cobrado dos bancos, justo eles que são tipicamente prestadores de serviço. Imagine-se, por exemplo, o município de Mossoró receber 5% da incidência do ISS sobre o valor dos serviços prestados pelos bancos com agências na Cidade? Um bocado de dinheiro que, todavia, fica só na conversa, pois esbarram nos privilégios da banca e nos seus enormes lucros anti-republicanos.
* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público-Geral do Estado, Professor e Escritor.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Pearls to PIGS
Os analistas econômicos tanto da academia quanto da imprensa foram cruéis quando engendraram essa sigla pela qual passara a conhecer um grupo de países membros da União Européia, pois ela quer dizer "porcos", em inglês.
Nas minhas primeiras viagens à Portugal e à Espanha, a despeito dos tantos monumentos históricos a conhecer, sobretudo aqueles bem evocativos da história do "descobrimento"/colonização do Brasil, admirava-me o atraso desses países se comparados com o nosso, mais especificamente de Portugal, a começar pela tradição de longos governos autoritários, eles com Salazar e Franco, ditadores à moda antiga, exercente de poder unipessoal. Aqui, ao menos a última ditadura que o Brasil teve (de 1964 a 1985), havia uma preocupação do estamento despótico que governava de, ao menos, manter um simulacro de democracia, com o funcionamento dos três poderes do Estado, embora somente o Executivo tivesse peso, além de algumas eleições, a despeito de um longo período o povo ser impedido de votar para presidente, governador de Estado, 1/3 de senadores e prefeitos das capitais dos Estados.
Claro, ditadura é ditadura e não interessa, aqui, nem a mim nem ao benévolo leitor, ficar a discutir se a dita foi branda, mais dura ou meio mole. Tudo finda mesmo em prejuízo para o desenvolvimento das pessoas e das nações. Ditadura é sempre treva e trave. Uma frase do velho ditador António de Oliveira Salazar sobre seu país: "Dêmos à nação optimismo, alegria, coragem, fé nos seus destinos; retemperemos a sua alma forte ao calor dos grandes ideais e tomemos como nosso lema esta certeza inabalável: Portugal pode ser, se nós quisermos, uma grande e próspera nação" (ortografia lusa de então).
Bem, mas Portugal, depois de democratizado, em 1975, com a Revolução dos Cravos (...“Foi bonita a festa pá, fiquei contente. Ainda guardo renitente um velho cravo para mim... ”), iniciava um longo processo de reconstrução institucional e econômico, num afã de superar um atraso de mais de quatro décadas (de 1932 a 1975) de autoritarismo e estagnação política, social e econômica. O atraso de Portugal chegou ao fim quando criada a União Europeia após a assinatura do Tratado de Maastricht, em 7 de Fevereiro de 1992.
Com a UE vieram os maciços inverstimentos e a grande esfinge sob a roupagem reluzente da moeda única da Europa, o Euro. Desde os tempos das colonias (sobretudo da rica colonia sul-americana, o Brasil), que os lusos não viam tanta brasa para suas sardinhas... Uma coisa deu errado: Portugal gastou mais do que a sua (frágil) economia podia suportar (o mesmo ocorreu com Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, com variações próprias a cada país) e está a engolfar-se numa profunda e imprevisível crise econômica.
Os portugueses, até há bem pouco tempo a esnobar dos seus manos brasileiros, olham contritos para o vistoso lema da União Europeia: In varietate concordia ("Unidos na diversidade"). E não exergam uma saída para o atoleiro em que se meteram. Os órgãos econômicos (Comissão Europeia e Banco Central Europeu) de UE tangem os PIGS com uma pontiaguda vara de ferrão, a exigir sacrifícios e cortes na própria carne, para debelar a crise cuja característica maior é justamente a da diversidade, porém com um ponto comum: é uma crise monetária de tipo novo, a primeira a ocorrer na Zona do Euro (alguns países da UE não adotaram a moeda comum, a exemplo do Reino Unido), cuja solução ainda não é visível.
Sem mais investimentos salvadores da UE, pois não mais querem botar dinheiro bom em cima de ruim, que é como jogar pérolas aos porcos. Depois de esnobarem seu irmãos brasileiros - que sempre os acudiu - os portugueses começam a cair na real e até já desconfiam que aquele "Portugal pode ser, se nós quisermos, uma grande e próspera nação", do velho tirano Salazar, é ufanismo bobo e nada mais. Alguns até já espicham os olhos para aquela ácida frase do padre Antônio Vieira, tomada como imperdoável perfídia na terras portuguesas: "Chamam de fausto ao fausto porque é infausto; ao mundo de mundo porque é imundo. E a Portugal de Lusitânia, porque nunca luziu nem há de luzir". Pano rápido. Pausa para um cálice de porto, pois...
* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público-Geral do Estado, Professor e Escritor.