segunda-feira, 15 de março de 2010

A cura de Schopenhauer e a mediocridade da vida moderna.

Por Kennedy Diógenes*

Questões como o enfrentamento da morte, a mudança de perspectiva de prioridades e a finalidade da vida são tratadas com maestria no livro "A cura de Schopenhauer", do Psiquiatra e escritor americano Irvin D. Yalom.

Neste livro, um Psiquiatra chamado Julius Hertzfeld descobre que está com melanoma, um tipo de câncer de pele letal, estimando, sua vida ativa, no máximo em um ano, fazendo-o deseperar. Ao fazer um balanço de sua vida, Julius resolve buscar seus antigos pacientes e checar se a sua terapia os havia ajudado. Assim, Dr. Hertzfeld se reencontra com o seu mais estrondoso fracasso: Philip Slate, doutor em filosofia e "discípulo" de Schopenhauer, que necessita do seu antigo terapeuta para que o supervisione em sua nova função como Orientador Filosófico.

Julius atende ao pedido de Philip com a condição de que este o acompanhe em um Grupo de Terapia mantido pelo preceptor há anos, o que propicia mudanças profundas nos relacionamentos de todos os membros.

Os dramas pessoais, os encontros e desencontros, as angústias e sofrimentos humanos, o sentido e a fugacidade da vida em descompasso com a "perenidade da morte", além dos conceitos de fé, são a argamassa com a qual Yalom contrói o roteiro desse livro, sensibilizando o leitor e o envolvendo, convidando-o a pensar sobre suas próprias questões pessoais.

Em virtude desses assuntos discutidos em "A cura de Schopenhauer", lembrei-me de um texto que escrevi há uma década, que tratava justamente do enfrentamento da morte e mudança de perspectiva , a qual transcrevo abaixo, intitulado de Mediocridade da vida moderna:

"Mediocridade da vida moderna.

Você é casado, tem filhos lindos, saudáveis, bem educados, e uma mulher magnífica que o apoia e o motiva diariamente. Porém, você vive eternamente preocupado com trabalho, status, etc.

Envolveu-se demais com seus negócios, onde despende uma energia enorme para manter e aumentar seu patrimônio. Está preocupado porque não trocou de carro este ano, enquanto todos os seus amigos já o fizeram; porque Fulano e Sicrano falam mal de você; porque Beltrano viajou para o exterior e saiu no jornal de Domingo e você não...

Estas preocupações e milhões de outras deturparam a sua visão da vida e o distanciaram de seus entes queridos, de sua mulher, filhos e de você mesmo.

Entretanto, acontece um milagre. Num acesso de raiva por perder um negócio, você passa mal e vai ao médico. Após os exames, o diagnóstico: Câncer. Neoplasia maligna. 'Tempo de vida restante estimada em 3 meses', é o que você ouve do seu médico sem esboçar qualquer reação, distante quanto um sonho rápido em um cochilo.

Você acorda na manhã seguinte e observa o azul do céu com espanto. Talvez nunca tivesse visto céu mais azul. Viu borboletas! Aquelas que você perseguia na sua infância. Levantou-se e encontrou seus filhos dormindo no quarto ao lado. Nunca tinha observado a beleza de deitar dos seus queridos. Nunca ouviu sequer a respiração deles enquanto dormiam. E achou tudo isso muito belo. Foi a cozinha e encontrou sua esposa que o esperava como toda manhã, mas foi nesta que percebeu que havia ali sempre um grande sorriso, um brilho nos olhos dela que o envergonhou por não ter percebido antes o quanto ela o amava e o admirava. E você se sentiu acolhido, protegido.

Entrou na sua biblioteca e se assustou com a quantidade de livros que tinha. A maioria você jamais abriu. Colocou um CD de canto gregoriano e se deleitou com um livro de Platão. Abriu numa página e lá estava uma frase que chamou sua atenção: 'Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz'. Leu e chorou...

Você percebe agora que toda a sua vida foi vivida como apenas sombras projetadas na caverna que você criou, fugindo da luz, fugindo do que realmente é importante. Nunca viveu até o momento de morrer, e que somente a perspectiva da morte, para você, devolveu-lhe a liberdade.

Você morreu três meses depois desta manhã. Foram os três meses mais felizes da sua vida, que, feliz verdadeiramente, compartilhou com todos nós, apresentando-nos um outro alguém que jamais havíamos conhecido; que sempre desejamos e nunca se havia apresentado; que será este, o moribundo feliz e não o saudável sisudo, que ficará em nossas mentes e corações.

Você foi em paz e nos deixou dois exemplos: o primeiro é de como morrer em vida; o segundo, de como viver morrendo.

Muito obrigado por tudo, Pai.

Seu Filho".

* Kennedy Lafaiete Fernandes Diógenes é advogado e articulista.

3 comentários:

  1. A grande busca do ser-humano, ser este, que encontra-se enraizado com seus devaneios e aflições por um futuro próximo, ou seja, o amanhã que ainda há por vim, deixa-se levar pelo material conservador, palpável, admirável aos olhos de quem o ver, ou quem o tem. Porém, a maior grandeza, descobre este, encontra-se dentro dele, aguardando o momento certo, na hora certa, para desabrochar e daí encontrar sentido e vitalidade a sua vida. Aí sim, sentimos o que é viver...!

    Nathália Nunes Barbosa
    Psicóloga em Formação.

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  2. Prezado Colega, seu ensaio é um convite à reflexão, importante pensarmos a nossa efemeridade e valores, diante das cobranças que nem sempre refletem nossos anseios...hoje me satisfaço com o melhor de mim e o possível. Encontro nos intervalos da vida o tempo necessário para os pores de sol - na melhor concepção Exuperriana - porque é simplesmente maravilhoso viver, mesmo com os espaços antinomicos do cotidiano.
    Luciana Costa - Advogada

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  3. Todos nós somos de alguma maneira cegos pra o que somos agora...vivemos numa fantasia do amanhã, ou seja tudo vamos conquistar não paramos para pensar que já conquistamos, já realizamos, já somos o queriamos ser.Muito boa suas palavras Kennedy, que fique pra todos que sentem essa ansiedade da conquista uma reflexão nessa leitura.
    Raquel Umbelino

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