segunda-feira, 8 de março de 2010

Os desafios de um CDC vintenário

Por Kennedy Diógenes*

Neste ano, além da Copa do Mundo e das eleições, que mobilizarão grande parte da atenção dos brasileiros, ocorrerá também, embora que toldado por esses eventos, o vintenário de instituição do Código de Defesa do Consumidor, criado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, em resposta às previsões constitucionais erigidas no art. 48, da Constituição Federal.

Quando passou a viger, em 12 de março de 1991 (cento e oitenta dias após a sua publicação), o Código de Defesa do Consumidor flagrou um comércio inflacionário, estigmatizado pelas odiosas maquinetas de remarcar e seu indefectível operador, planos econômicos desastrosos, e um profundo, enraizado desrespeito ao cliente, sendo este considerado, para imensa fatia dos setores produtivos, apenas como uma bolsa de moedas ambulante.

Importante lembrar que há duas décadas, o celular era coisa de outro mundo, que atraía filas enormes para a sua aquisição; o telefone fixo era um bem valioso, de demorada entrega, com direitos à ações de suas companhias, assim como a energia elétrica, à guisa da Eletrobrás e de seu doloroso calote, tendo sido ressucitada, recentemente, a discussão de sua reinauguração pelos braços invisíveis de José Dirceu; os veículos, e nisso Collor acertou, eram verdadeiras carroças; as instituições bancárias, as seguradoras, os planos de saúde, pululavam em todos os rincões, vendiam o que tinham e o que não tinham, e fechavam às portas impunemente; a internet engatinhava, o comércio eletrônico quase inexistente, não havia msn, TV a cabo ou rádio acessíveis à classe média...

Por estas razões, houve uma epifania na recepção do CDC, que representaria uma redenção de uma massa de clientes, carreando, em seu bojo (art. 6º, CDC), os direitos básicos do consumidor, que são a proteção da vida, saúde e segurança; educação para o consumo; informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços; proteção contra publicidade enganosa e abusiva; proteção contratual; indenização; acesso a Justiça; facilitação de defesa de seus direitos; qualidade dos serviços públicos, dentre outros princípios que reconheceram a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de proteção pelo Estado.

E de fato, o surgimento de uma legislação consumerista própria desencadeou várias medidas, como a implementação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Decreto 2.181/97), a criação de agências reguladoras setoriais, dentre outras, que visaram estabelecer limites nas relações de consumo, tanto para o consumidor, que saberia o que deveria ter, como para o fornecedor, que teve clarificada a expectativa daquele, entregando exatamente o que o consumidor esperava.

No entanto, apesar desses vinte anos de existência do CDC e de todos esses avanços, empresas brasileiras dos mais diversos setores econômicos carecem, pelo menos é o que parece, de inteligência, pois continuam a corromper os princípios consumeristas sistematicamente.

É o caso dos campeões de reclamações no site www.reclameaqui.com.br, que elenca, em 1º lugar, a Tim Celular, em 2º, a Claro, em 3º, a Americanas.com e em 4º, o Mercado Livre. Neste rol indigno de um "Oscar" figuram, quanto aos segmentos, a Telefonia fixa/móvel, Lojas virtuais, Indústria de eletroeletrônicos, instituições financeiras, cartões de crédito e empresas de fornecimento de energia elétrica e água.

Sabe-se que, na verdade, os fornecedores somente infringem o CDC porque desenvolvem um pensamento torpe, como, por exemplo, estas que descumprem as regras do Serviço de Atendimento ao Consumidor, regulamentadas através do Decreto nº 6523/08: se descumprir a lei, a infratora ganha 95% do custo para cumprí-la, pois somente 5% dos consumidores reclamam. Mas esses fornecedores se esquecem de que estes 5% de consumidores não são sempre os mesmos. É que o consumidor, mais bem informado e preparado, passa a adquirir produtos e serviços da concorrência. Algum tempo depois, naturalmente, a empresa "sabidinha" não consegue mais vender como antes, entra em dificuldades e se torna insolvente, levando para o ostracismo as suas "fantásticas idéias".

Em razão disso, o cerco está fechando para estas empresas. Informa, a Revista Eletrônica Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), edição de 08 de março de 2010, duas novidades para o consumidor: a primeira trata da notícia de que uma comissão especial na Câmara dos Deputados voltará a analisar o Projeto de Lei 5.476/01, do Deputado Marcelo Teixeira (PR-CE), que proíbe a cobrança da assinatura básica da telefonia, apesar desta cobrança ter sido considerada legal pelo STJ; a segunda informa que o Ministério Público Federal e Caixa Econômica Federal firmaram um TAC - Termo de Ajustamento de Conduta, para que os extratos emitidos para os clientes tenham, até o dia 1º de julho próximo, todos os dados necessários para identificar os estabelecimentos comerciais favorecidos nas transações de compra de cartão de débito, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

Até mesmo questões envolvendo o ciberespaço têm suas resoluções através do Judiciário, como a notícia veiculada pela Revista Jurídica acima referida, de que o Google foi condenado a pagar a uma mulher uma indenização de R$ 30 mil por danos morais, porque ela teve um perfil falso no site de relacionamentos Orkut, considerando, o TJ fluminense, que a empresa poderia ter evitado o dano.

Assim sendo, embora este "Código garotão" tenha alguns arranhões das resistências inglórias, é inegável o reconhecimento de avanços significativos que beneficiaram o consumidor, premiaram as empresas de boa prática com fidelização e longevidade, re-equilibraram as relações de consumo e conduzirão a um caminho onde, no futuro, prevalecerá a probidade, a lealdade e a honradez que, no passado, foram representadas pela palavra e por um fio de barba.

Portanto, assopremos as velinhas.

* Kennedy Lafaiete Fernandes Diógenes é Advogado, sócio do Escritório Diógenes, Marinho e Dutra Advogados, Coordenador de Planejamento da Defensoria Pública do Estado e membro do Conselho Estadual de Defesa do Consumidor.

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