Por Paulo Linhares*
Sempre que num jogo de futebol o árbitro começa a aparecer muito, correndo para lá e para cá, a fazer trejeitos e caretas, apitando todas as faltas, com paralisações da partida futebolística a todo instante e distribui uma chuva de cartões amarelos e vermelhos indistintamente, já se sabe no que resultará: um feio espetáculo.
Ao revés, o bom árbitro é aquele que impõe uma bom clima, um nível elevado e um certo ritmo ao jogo, porém, jamais aparece, deixando o espetáculo desportivo se desenvolver plenamente. Deve estar em campo como um bom fantasma - porque não devemos vê-lo de fato - que a tudo percebe e prontamente age.
Recentemente vimos os dois exemplos na Copa da Fifa de 2010, realizada na África do Sul: partidas bem conduzidas, partidas em que foram cometidos pelas arbitragens erros clamorosos, descabidos até nas peladas de várzea. A despeito dos enormes recursos tecnológicos de captação de imagens, a conservadora Fifa decide apostar, ainda, nos sentidos humanos, de modo que aquilo não visto pelo árbitro e seus auxiliares está foro do mundo. E do jogo. Que fazer? Nada, somente esperar que a partida acabe.
Essa história dos jogos de futebol é uma boa metáfora para expressar o sentimento de um conjunto cada vez maior de cidadãos preocupados com os rumos que vêm tomando os processos eleitorais que bianualmente ocorrem no Brasil, na medida em que neles cada vez ganha mais espaço aqueles órgãos cuja missão é manter a eficiência, integridade, transparência e legitimidade das eleições: A Justiça e o Ministério Público Eleitoral.
Com efeito, vêm recebendo, sobretudo a Justiça Eleitoral, uma parcela de poder bem maior do que seria razoável e que a coloca no centro da cena política, na condição de prima-dona do processo eleitoral e mesmo da democracia, papel que deveria caber, mais adequadamente, aos partidos políticos que, na visão de Antonio GRAMSCI, no seu Note sul Machiavelli, sulla política e sullo stato moderno (Maquiavel, a política e o estado moderno. Einaudi ed. Milão, 1949), seria o moderno príncipe, o legítimo substituto dos velhos condottieri de que falava o mestre florentino n'O Príncipe. Segundo Gramsci, "Il moderno principe, il mito-principe non può essere una persona reale, un individuo concreto, può essere solo un organismo; un elemento di società complesso nel quale già abbia inizio il concretarsi di una volontà collettiva riconosciuta e affermatasi parzialmente nell'azione.Questo organismo è già dato dallo sviluppo storico ed è il partito politico, la prima cellula in cui si riassumono dei germi di volontà collettiva che tendono a divenire universali e totali", ou seja, numa tradução livre: "O moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto, só pode ser um organismo, um elemento complexo da sociedade, que já começa a se materializar uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação. Este organismo já dado pelo desenvolvimento histórico é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais".
Em suma, as estrelas das eleições devem ser os partidos, que catalisam os elementos que formam a vontade geral. Forçando um pouco, também, estrelas podem ser os candidatos, que dão concretude, rosto e voz, à representação política. Nunca, jamais mesmo, podem ser as estrelas de qualquer eleição a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral, sob pena de desnaturá-la.
A excelência da atuação de ambos os organismos públicos referidos é a discrição com que atuam para coibir os vícios do processo eleitoral, no combate ao abuso do poder político e econômico nas eleições, com eficiência, severidade, transparência, economicidade e zelo pelas instituições democrática, de modo a permitir que a vontade do cidadão-eleitor flua livremente para que se possa haurir, a partir dela, toda a legitimidade necessária para a edificação dos governos e a ordenação dos parlamentos, dos organismos judiciários e demais organismos republicanos.
Enfim, são os garantes das eleições, posto que devam ficar um pouco na penumbra dos bastidores enquanto partidos e candidatos cumprem, no palco, no cenário republicano,a performática jornada da democracia, tudo para encantar (ou iludir?) aquele embevecido espectador que ocupa o camarote principal: sua majestade, o Povo, a estrela maior de todas as eleições.
* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público Geral do Estado, professor e escritor.
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