sábado, 3 de julho de 2010

Um "chapéu" na Lei da Ficha Limpa

Por Kennedy Diógenes*


Há poucos dias, o Brasil comemorava a sanção da Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, denominada de Lei da Ficha Limpa, a qual acrescentou à LC 64/90 a hipótese de inelegibilidade para todos aqueles que forem condenados, seja em decisão transitada em julgado ou por Órgão Colegiado, por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o meio ambiente e a saúde pública; e por crimes eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade, dentre outros.

A razão da euforia popular se devia ao fato de que a Lei da Ficha Limpa advinha de um dos poucos projetos de lei de iniciativa popular propostos, após a promulgação da Constituição de 1988, que mobilizou mais de 1,5 milhões de assinaturas e 2,5 milhões de apoios virtuais, representando, portanto, expressiva e legitimada alteração nos valores sociais do povo brasileiro, já tão cansado dos inúmeros abusos de parte viciada da classe política.

E isso gerava uma enorme alegria à Nação Canarinha, somente amplificada ante os preparativos da Copa do Mundo, passando a monopolizar, este evento desportivo, a partir do dia 11 de junho, todas as atenções e tensões da sociedade.

Sintonizados com aquela motivação popular, principalmente no tocante a urgência de aplicabilidade da lei, os ilustres Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, inspirados, firmaram entendimento de que a Lei da Ficha Limpa valeria já para as Eleições de 2010, contrariando os interesses de vários políticos “pendurados”, ou seja, que possuem condenações prolatadas ou confirmadas pelos Tribunais de Justiça Estaduais e/ou Tribunais Regionais Federais do País.

Pode-se dizer, em tempos de Copa, que essa decisão do TSE foi um gol de placa, sendo ovacionada pelos homens e mulheres de bons costumes. Pela primeira vez, vislumbrou-se uma campanha eleitoral livre daqueles políticos “manjados”, useiros e vezeiros do assalto à coisa pública, que alimentam os processos judiciais com recursos inúteis e protelatórios como lenha em fogueira, somente para se esconderem por detrás da presunção de inocência.

No entanto, no dia 1º de julho, um dia antes da disputa de jogo decisivo para o Brasil nas quartas-de-final, como triste prenúncio, as regras do jogo limpo eleitoral foram alteradas pelo Ministro Gilmar Mendes, ao atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto pelo Senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que atacava uma condenação proferida pelo Tribunal de Justiça do Piauí.

Como tristeza nunca vem desacompanhada, neste 02 de julho, a torcida brasileira recebeu dois baques: a derrota da equipe canarinha, com o amargo sabor de laranja, e a notícia de outro drible na Lei da Ficha Limpa, quando o Ministro Dias Toffoli, em concessão de liminar em agravo de instrumento, suspendeu uma condenação confirmada pelo Tribunal de Goiás contra a deputada Isaura Lemos (PDT-GO).

Ou seja, a Lei da Ficha Limpa não se aplicará ao Senador Heráclito Fortes e a Deputada Estadual Isaura Lemos, abrindo caminho para outros políticos concorrerem, mesmo condenados e de condutas condenáveis, a qualquer cargo eletivo neste ano, pois os julgamentos de mérito pelo pleno do STF estão previstos somente para 2011.

Apesar do reconhecimento à capacidade e competência dos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, não se pode deixar de registrar que as referidas decisões oportunizam justamente aquilo que a Lei da Ficha Limpa nasceu para evitar: a continuidade do mau político no cenário nacional.

Ora, toda a luta e mobilização social para criar a LC 135/10 se esteou na desnecessidade do trânsito em julgado das condenações, para tornar inelegível um político processado, desde que sejam proferidas ou confirmadas por um órgão colegiado, como fruto de um movimento nacional de compatibilização da ética e da política. Atribuir efeito suspensivo a todos os recursos que chegarem ao STF interpostos por estes políticos é um verdadeiro “chapéu” na Lei da Ficha Limpa e no povo brasileiro.

Assim, pela Copa perdida, pela Ficha Limpa frustrada, “choram Marias e Clarices no solo do Brasil”.

* Kennedy Diógenes é Advogado, sócio do Escritório Diógenes, Marinho e Dutra, Diretor Jurídico do IPDCON e Coordenador da Defensoria Pública do Estado.

** Foto: Paulo Nicolla (http://jbonline.terra.com.br/fotosdodia/?foto=737)

Nenhum comentário:

Postar um comentário