terça-feira, 6 de julho de 2010

Lula na ONU

Por Osíris Silva*

O presidente Lula da Silva afirmou sábado passado, 3 de julho, em Cabo Verde, dispensar o cargo de secretário-geral das Nações Unidas. Ao ser entrevistado por jornalistas, após encontro com chefes de Estado da África, afirmou que a ONU deve ser comandada por um "bom burocrata". Na ocasião ironizou o governo norte-americano, que se opôs à proposta de sua candidatura.

Segundo Lula, "o secretário-geral deve ser um técnico, um burocrata. Não pode ser um político". E ainda afirmou que "um político pode criar um problema muito sério. Imagine se amanhã o presidente dos Estados Unidos quiser ser o secretário-geral da ONU? Não dá certo." Sem dúvida, é impressionante a capacidade presidencial de emitir conceitos e definições mundo afora, entenda ou não do que está falando.

Diante de pretensas e supostas (sem graça) ironias assacadas contra Barack Obama, Lula revela o fundo de seu lado político mais forte: a insolência, a petulância, o cabotinismo, a arrogância. Sem querer desmerecer, expressa-se como em palanques sindicalistas, nos quais predomina o discurso panfletário típico de assembleias de classe. Mas não, necessariamente, coerente com a posição de um presidente da República, sobretudo por se tratar de um país da dimensão geopolítica e da importância econômica do Brasil.

Obama não revela a razão fundamental porque vetaria a pretensão de Lula ao cargo. Na verdade, os recentes alinhamentos do presidente brasileiro a regimes ditatoriais sanguinários, eleitos fraudulentamente, e que reprimem liberdades fundamentais do cidadão (tipo Irã, Venezuela, Cuba, Síria, Zimbábue, Líbia), além de ostensivamente inimigos do mundo ocidental, com certeza estão na base dessa rejeição.

Em viagem empreendida semana passada à Venezuela, o presidente (perpétuo) da Síria, Bashar Assad, ironizou a inclusão de seu país no que o mundo Ocidental e democrático considera o “eixo do mal”, classificação introduzida pelos Estados Unidos após o 11 de setembro de 2001. Na ocasião instou, como se fosse preciso, Hugo Chávez a ser “o secretário-geral do grupo”.

Por seu turno o ditador venezuelano convidou a Síria a integrar a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), em retribuição ao que o Assad o chamara de “um líder árabe” por suas “firmes opiniões e posicionamento ante os conflitos do Oriente Médio”, isto é, sempre a favor do terrorismo.

A América Latina, e tão menos o Brasil precisa de proselitismo zombeteiro e provocador. O presidente Lula não se pode deixar envolver nesse tipo de panfletarismo irresponsável. O país, ao contrário, por haver adotado no início dos anos 1990 uma política econômica consistente, e, pelos resultados positivos que vem alcançando, tem assegurado um futuro brilhante. Deve, portanto, concentrar-se com toda ênfase possível no aperfeiçoamento de suas instituições, na modernização de seu sistema tributário, no ajuste de uma política econômica de longo prazo adequada às mudanças conjunturais que se vem processando nesse início de década.

O ministro Celso Amorim, de Relações Exteriores, defendeu nesta segunda-feira a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Guiné Equatorial, governada pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde 1979. Em declaração sucinta à imprensa o chanceler disse que "negócios são negócios" e classificou de "pregação moralista" as referências da imprensa aos crimes contra os direitos humanos atribuídos ao ditador. "Não estamos ajudando nem promovendo ditadura", disse Amorim. "Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país." O povo? Que papel pode exercer o povo numa ditadura?

Nessa linha de pensamento, justificar-se-ia estabelecer linhas de negociações comerciais com as FARCs, a máfia, o comando vermelho ou quaisquer outras organizações clandestinas, desde que seja para “fazer bons negócios”. A propósito, questiona-se: por que tanta tolerância a ditadores? Claro, “negócios são negócios”, mas o presidente brasileiro não precisa ir ao Irã, à Venezuela, ou à Giuné Equatorial, à Libia ou ao Zimbábue legitimar tiranias. Existe o Itamaraty para se desincumbir de tais missões diplomáticas, por mais espinhosas que sejam. Penso que o Brasil tem, acima de tudo, compromisso com as liberdades democráticas.

Voltando ao assunto, a Carta das Nações Unidas prevê que o secretário-geral será nomeado pela Assembléia Geral após escolha do Conselho de Segurança , sujeita, com efeito, ao veto de qualquer um de seus cinco membros permanentes. Evidentemente, não só os Estados Unidos, como a própria China, Rússia, Inglaterra e França podem também exercer seu legítimo direito de veto. Afinal, qual o sentido de colocar no cargo mais importante da ONU um político abertamente hostil ao bloco democrata? Parece-me cristalino que jamais o Conselho de Segurança da ONU haverá de escolher um pretendente ao cargo máximo da entidade que lhe seja adverso, provocador. Pior ainda quando o pretendente não reúne condições objetivas para o exercício do cargo.

Diferentemente do presidente brasileiro, que, assumidamente jamais leu um livro, o primeiro e único latino-americano a ocupar a Secretaria Geral, por dois mandatos, foi o peruano Javier Pérez de Cuéllar, de janeiro de 1982 a 31 de dezembro de1992. Diplomata de carreira desfrutava de grande respeito no mundo das relações exteriores entre estados soberanos, além de reconhecidamente dotado de grande capacidade de trabalho.

O africano Kofi Annan, que ocupou o cargo de 1º de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2006, era chefe do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas antes de ser escolhido como o Secretário-Geral. Em 2001, após diversas mudanças gerenciais implementadas no órgão, como um orçamento fiscal mais responsável, Annan foi reeleito por unanimidade para um segundo mandato.

Sua escolha deveu-se à rotação "informal entre os continentes", posto que, seu predecessor, o egípcio Boutros Boutros-Ghali, havia servido por apenas um mandato, de 1º Janeiro de 1992 a 31 de dezembro de 1996. O nome de maior força para suceder Kofi Annan, o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, foi funcionário da ONU por 34 anos. Ocupava, desde 2002, o cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, quando, em 19 de agosto de 2003, morreu em Bagdá, juntamente com outras 21 pessoas, vítima de atentado terrorista desferido pela Al Qaeda contra a sede local da ONU.

Desde 1º de janeiro de 2007, o atual Secretário Geral da ONU, o oitavo a assumir o cargo, Ban Ki-moon é um diplomata coreano, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio de seu país. Sucedeu ao ganês Kofi Annan. Filho de um agricultor, estudou Relações Internacionais na Universidade de Seul e posteriormente na Universidade de Harvard. Foi embaixador da Coréia do Sul na Áustria entre 1998 e 2000.

Em 2002, o Brasil concedeu-lhe a Grande Cruz da Ordem de Rio Branco, principal comenda que o governo do país pode oferecer a um estrangeiro. Também foi agraciado com a comenda Ernesto Che Guevara, em 1960. Entretanto, Lula não deve se desapontar com a rejeição ao seu nome. Grandes figuras da história, como Charles DeGaulle, Dwight Eisenhower e Sir Anthony Eden foram, no pós-guerra, indicados e rejeitados para o cargo de Secretário Geral das Nações Unidas

* Osíris Silva é Economista e ex-Secretário de Estado da Fazenda do Amazonas.
(Publicado originalmente no Blog http://www.carlosbranco.jor.br/)

3 comentários:

  1. "...seu lado político mais forte: a insolência, a petulância, o cabotinismo, a arrogância..." O articulista poderia completar: Ah, escravo negrinho esse, sem "cultura", indolente, preguiçoso, tomador de cachaça, quem ele pensa que é, para se negar a baixar a cabeça. Lendo o texto, percebemos o inconformismo indisfarçável com este petulante enfrentamento do subjugo social, econômico, cultural. Decerto, os preconceitos permanecem enraizados, no espírito dos descendentes de senhores de engenho. Para entender o pensamento da elite brasileira (aqueles 15%), precisamos voltar no tempo, devemos ler "Casa Grande e Senzala".

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  2. Licurgo Nunes Neto disse...

    Texto instrutivo, bem escrito e certeiro.
    Parabéns ao articulista.

    Licurgo Nunes Neto

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  3. Osiris Araújo da Silva14 de julho de 2010 às 10:36

    Pena que o colega Aluizio Azevedo Jr.,com tal posicionamento radical, apenas reforce o estado de inanição cultural que afeta e diminui o país da era do "nunca antes na história...".
    Evoluir cultural e politicamente pressupõe questionar, analisar, dissecar as entranhas do tecido social de uma nação. É que tento fazer.
    Dizer sempre sim, baixar a cabeça subservientemente, tentar tapar o sol com peneira em nada ajuda no processo de evolução social, política, cultural e tecnológicad do país. A não ser o de legitimar discursos ufanustas ultrapassados hoje predominantes em Brasília.
    Osiris Silva

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