sábado, 17 de julho de 2010

Fragilidades do Brasil

Por Osíris Silva*

Há diversas formas de se observar a economia do Brasil. Do ponto de vista do crescimento industrial, do movimento da Bovespa (e a consequente atração de capital estrangeiro) e da melhoria da renda em certas camadas da população. Pode-se analisá-la via expansão do crédito e do consumo internos, dos ganhos (monumentais) dos bancos - na verdade, nunca antes na história deste país ganharam tanto dinheiro (ironia das ironias!).

A partir desse conjunto, tem-se a impressão de que caminhamos para nos tornar uma das maiores economias do mundo. Do ponto de vista infraestrutural, contudo, o cenário que se nos afigura ainda está muito distante da realidade dos países desenvolvidos, aqui entendido em seu conceito amplo, não apenas no da renda per capita.

Tomando-se por base o total de bens e serviços produzidos pelo país, o PIB – Produto Interno Bruto por habitante no Brasil, segundo o Banco Mundial, dados de 2008, é de US$ 8.295,00 (cerca de US$10 mil no ano em curso). Na Europa, a despeito da crise, situa-se, com exceção de Portugal e Grécia, acima de US$ 32 mil. Nos Estados Unidos o PIB per capita é superior a US$ 46 mil e no Japão superior a US$ 38,5 mil, ainda com base em números de 2008, do World Bank.

Naquele ano, a economia brasileira representava 2,58 % do PIB mundial, situando-se em 10º lugar. O Canadá, na 11ª posição (2,46% do PIB mundial), ostenta um PIB por habitante da ordem de US$ 45,5 mil, contra US$ 8.295,00 do Brasil. Na China, que puxa o crescimento do Planeta, sua economia representa 7,1% do PIB mundial (2,75 vezes a do Brasil), enquanto sua Renda per capita é de apenas US$ 3.259,00 (39,2 % da brasileira).

Brasil, Rússia, China e Índia (os Brics) estão entre as 12 maiores economias do mundo, conforme demonstra o quadro abaixo:

As doze maiores Economia mundiais

Países Participação do PIB PIB per capita

mundial em dólar (%) (em US$)


1º EUA              23,71           45.859

2º Japão              8,06           38.559

3º China              7,10             3.259

4º Alemanha        6,03           44.660

5º França            4,71           46.015

6º Reino Unido    4,40          43.785

7º Itália                3,80          38.996

8º Rússia             2,75          11.806

9º Espanha          2,63          35.116

10º Brasil            2,58           8.295

11º Canadá         2,46         45.428

12º Índia             1,98           1.017

(Fonte: FMI, Banco Mundial, OCDE e OMC – 2008)

China e Canadá constituem situações emblemáticas. Enquanto o primeiro desponta como a terceira economia do mundo, com um PIB por cabeça de US$ 3.259,00, no Canadá, que se encontra na 11ª posição, o PIB per capita é de US$ 45.428,00, quase 14 vezes maior que o chinês. Observa-se, por tais indicadores, a brutal diferença de qualidade de vida entre um país e outro. Posição no ranking da economia mundial, portanto, não constitui parâmetro muito consistente quando se pretende analisar grau de desenvolvimento de um país.

Do lado brasileiro, gravíssimas distorções (algumas alinhadas abaixo) continuam afetando o desempenho de nossa economia e a impedir o país de ascender em definitivo à categoria dos desenvolvidos. Alguns desses gargalos, com os quais governo e sociedade, ao invés de se dedicar a jactâncias e gabolices baratas deviam seriamente estar se preocupando em solucioná-los por meio de medidas de austeridade fiscal.

Efetivamente, o Brasil precisa urgente de um planejamento estratégico de longo prazo que privilegie investimentos em educação, em saúde publica, em infraestrutura, em saneamento básico (indisponível a mais de 50% das cidades brasileiras), em segurança, e em pesquisa, desenvolvimento de tecnologias e inovação (PD&I).

Examino superficialmente, a seguir, alguns desses pontos que tornam vulnerável a economia brasileira.

Correios – Disputas internas graves vêm prejudicando seriamente o desempenho da empresa, em estágio de franco declínio. Seu lucro, em decorrência da crise que enfrenta, tem sido os menores do atual governo, basicamente decorrente do “rombo” que vem se verificando na “Postalis”, o fundo de pensão de ECT. O grave para a população e o mundo empresarial é a brutal queda de eficiência que vem se verificando. UM Sedex, saído de Manaus, demora 5 dias para chegar a S. Paulo, por exemplo. Os serviços caíram de qualidade comprometendo a imagem desta que até anos atrás era uma das empresas públicas que mais orgulhava o brasileiro.

Danos severos - de uma coisa pode-se ter certeza: é incompatível o uso de organismos públicos para acomodação de correntes políticas. O aparelhamento da máquina traz como conseqüência seu inchamento. Processo que decorre da necessidade de acomodar cabos eleitorais e companheiros da base sindical e estudantil - a famosa militância, que precisa ser recompensada com nacos dos espólios da vitória de campanha. Aqui a situação é geral, não restrita a apenas a uma corrente partidária.

Tais práticas, como no caso, respondem por imensos estragos, quase irreversíveis, causados a uma empresa altamente vinculada ao povo brasileiro. Aparentemente, esquecem-se os governantes de que empresas públicas não pertencem a grupos e partidos políticos instalados no poder, como também não são de propriedades de seus partidários. Pertencem, sim, ao povo, ao país, à sociedade como um todo. Convicções políticas, credos, cor da pele ou raça não podem interferir no seu funcionamento. Os países desenvolvidos separam bem as duas coisas, por isso são organizados. Sua máquina pública funciona independentemente de que esteja no poder o partido Azul, Vermelho ou Amarelo.

Aeroportos – enquanto os índices de crescimento dos vôos domésticos saltaram, sobre o ano anterior, de 12,3% em 2006 para estimados 30% em 2010 e 49% em 2014, os aeroportos permanecem praticamente do mesmo tamanho, relativamente à capacidade de pousos e decolagens dos 5 maiores do país. Conforme diagnóstico levado a efeito pela Infraero e Bndes, encontram-se saturados praticamente todos os aeroportos brasileiros, considerando terminal de passageiro, pátios de estacionamento e pistas de decolagem e pouso. Dá para corrigir o problema? Dá. Ao custo estimado de R$ 5,5 bilhões de reais até 2014. Claro que se tal valor houvesse sido diluído pelos últimos 10 anos, a situação aeroportuária do país seria outra bem diferente.

Eliminação da pobreza – segundo estudos recentes da FGV-Rio e Dieese, a pobreza no Brasil, no período de 2003 a 2009, reduziu-se em 43%. Ascenderam às classes ABC 31,9 bilhões de cidadãos. De 2010 a 2014 mais 36 milhões de pessoas serão deslocadas a essas classes de renda (ABC). Outros dados animadores oriundos dos mesmos estudos: 67% da distribuição de renda rovêm da renda do trabalho, 17% de programas sociais, 15,5% de benefícios previdenciários e 0,5% de outras rendas.
Ainda de acordo com a Fundação Getúlio Vargas-Rio, o número de pobres, de 2003 até o ano passado (governo Lula), caiu 19,4 milhões. O estudo revela haver no Brasil 29,9 milhões de pessoas pobres (16% da população), dos quais 14,5 milhões, em torno de 8% da população, deverão deixar de sê-los. A questão, ao que me parece, numa análise fria dos números, é a que se refere ao conceito de pobreza ali considerado. Pobre, para a FGV-Rio, “é a pessoa com renda familiar percapita abaixo de R$ 137,00.

Considerando que o Salário Mínimo (SM) este ano é de R$ 510,00 (R$ 468,91 em 2009), e que essa renda é absolutamente insuficiente para manter uma família de casal mais dois filhos (ou mesmo de um ou ainda só para o casal), evidentemente o dado estatístico esconde a real situação da pobreza no país. Quem poderá sobreviver com um ganho de R$ 137,00 por um mês? Com certeza é melhor do que “zero” de rendimento, mas, ao que sou levado a intuir, os números relativos à redução da pobreza no Brasil são no mínimo fantasiosos.

O dado concreto é revelado no mesmo estudo da FGV-Rio. O SM de 2010 apenas equivale ao de 1986 (governo Sarney), de R$ 517,22, que despencou para R$ 298,74 em 1990; daqui para R$ 269,50 em 1992 (era Collor de Melo), só voltando a subir, para não interromper o comportamento do dado, a partir de 1995, no governo FHC. Como se depreende, em nenhum momento da história o Brasil teve um Salário Mínimo inferior a R$ 140,00.

Ufanismos exacerbados e manipulação de dados estatísticos constituem a meu ver a base ficcional mais deletéria em relação à economia de um país. O Brasil não precisa escamotear verdades. O país atravessou muitas turbulências políticas e dificuldades econômicas após o início do período da redemocratização em 1985. Não há demérito em reconhecer a realidade. Apenas evidencia espírito público e comprometimento com a história. Grandeza nasce em companhia da verdade.

* Osíris Silva é economista, consultor de empresas, produtor agrícola e ex-Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, e da Fazenda, do Amazonas.

2 comentários:

  1. Interessante artigo sobre a realidade econômica e social brasileira.
    Denota-se a correta preocupação do autor com a ufanização e escamoteamento das estatísticas econômicas.
    Análises comparativas sempre permitirão interpretações diversas para a mesma informação. Isto é fato.
    E Osíris usa, eficientemente, dados e constatações para fazer alertas importantes.
    Não adianta criticar suas posições, quando é fácil perceber nelas a melhor das intenções.
    Mas, é também importante ressaltar: um povo sem auto-estima, sem lideranças, sem instituições consolidadas, nunca será capaz de construir a tão desejada arrancada, definitiva, para o “desenvolvimento”.
    A própria concepção de “desenvolvimento”, de “qualidade de vida”, num mundo extremamente consumista e capitalista, poderia ser tema de discussão.
    Sobre a nossa realidade, ainda prefiro a análise positiva, aliada aos alertas necessários.
    Um país com a matriz energética brasileira, capacidade produtiva agrícola e industrial, fluxo generoso de capitais para investimento, que começa a aparecer no mapa político e econômico mundial, não pode ser tratado como algo ficcional. E sei que não foi a intenção do articulista.
    Entretanto, perderemos, neste ano, a liderança incontestável de um fenômeno, um símbolo (operário, mestiço, de origem pobre, nordestino, com déficit de educação formal) que conseguiu construir uma identidade nacional, de afirmação, de auto-estima (grande tarefa de um verdadeiro Líder).
    A sucessão deste líder, de tamanha identificação com o seu povo, é tarefa difícil.
    Quem dera tivéssemos alguém capaz, dentre os novos candidatos, de conduzir um país tão plural e diverso, com a mesma autenticidade.
    Infelizmente, não enxergo este predicado, em nenhum dos candidatos apresentados.
    E como precisaremos de lideranças para conduzir esta Nação ao seu destino grandioso.

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  2. Licurgo Nunes Neto disse...

    “O Mensalão foi uma tentativa de golpe da oposição... a maior armação já feita contra o governo”. São palavras do Presidente Lula, em novembro de 2009, sobre o esquema ilegal do Mensalão, que já tinha desde o ano anterior denúncia recebida pelo STF, indicando seus envolvidos e até o chefe de quadrilha, e sobre o qual o próprio Presidente, em abril, confirmou em reposta ao MPF ter sido alertado por Roberto Jefferson, bem antes de estourar o escândalo. O exemplo é citado para ilustrar a guerra de versões que assola o ambiente político na atualidade.

    Uma forma segura de caminhar no cipoal de mentiras e diversionismo é selecionar com apuro os dados que são verificáveis no plano da realidade, como índices de desempenho, percentuais de atendimento, comparativos de quesitos. Com dados, não versões, se fundamentam as corretas escolhas das políticas públicas, em que se identificam os acertos e encaminham-se as alterações necessárias.

    Neste contexto, o artigo do autor sugere um método de abordagem. Nada novo, é verdade, pois as nações que já chegaram ao desenvolvimento usaram-no à exaustão. Mas que precisa ser relembrado permanentemente, nestes tempos de triunfalismos paralisantes e retóricas grandiloqüentes, que podem até alimentar um mito por determinado tempo, mas não nos conduzem à lucidez, ao autocontrole, nem à liberdade.

    Pela pertinência, nossos parabéns.

    Licurgo Nunes Neto.

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