Por Osíris Silva*
Assusta bastante a forma como Lula e o PT vêm radicalizando a campanha política. Eleger Dilma se transformou numa obsessão coletiva e coletivizada dentro das hostes governistas. Os gestos e as ofensas assacadas contra o candidato oposicionista demonstram claramente que não podem perder a eleição de maneira alguma, em qualquer hipótese. Por quê? Preocupação com o bem estar da sociedade e os avanços do desenvolvimento nacional?
Não creio que seja o caso. No embate que se trava, no qual a) auto-imolação de militante cubano não passa de gesto extremado de dissidente insatisfeito; b) terrorista condenado na Itália, recebe, desrespeitando leis internacionais, salvo-conduta no Brasil para escapar do cumprimento da pena em seu país; c) candidato agredido na via pública por fanáticos do PT não passa de jogo de encenação e obra de “photo-shopping”, tudo isso leva a crer estar em curso indisfarçável processo de radicalização do regime, do qual nenhum dos lados sai vencedor.
Legítimo se torna arguir: o PT, realmente, depois do “mensalão”, dos dólares na cueca, dos dossiês, das quebras de sigilo, dos negócios milionários do Lulinha, das jogadas na Caixa Econômica, na Infraero, na Chefia da Casa Civil, ali, ao lado do Lula; das esdrúxulas alianças com Collor, Sarney, Renan, Jader, Roseana, etc., das expulsões de petistas históricos, do escandaloso processo de aparelhamento da máquina pública, enfim, ainda pode, em sã consciência, falar em luta contra "elites conservadoras"?
Atacar o candidato Serra com tanta virulência e ódio, ao ponto de o próprio presidente da República postar-se na TV e nas rádios como o principal cabo eleitoral de sua candidata, convalidando tal selvageria, leva a crer que coisa muito séria está a caminho. Que o brasileiro não se surpreenda mais tarde com fatos indesejáveis que passarão a se consumar.
Pergunto-me: Lula, Zé Dirceu, Palocci, Genoíno (meu querido amigo das lutas estudantis), e por aí vai, ainda se consideram de esquerda? Mais ainda, o que significa, afinal, ser de esquerda hoje, depois da queda do Muro? Esse discurso, anacronismo explícito, não bate com a realidade dos fatos. Argumentar que sou corrupto porque fulano e sicrano também o são, não passa de argumento no mínimo debochado. Você é ou não é corrupto.
Lula e o PT vieram para mudar, e, ao invés, renderam-se ao bem bom das mordomias do poder, às benesses das “zelites” (aerolula, hoteis 5 estrelas, cartões corporativos ilimitados, salários de 30/40 mil para ex-sindicalistas sem formação técnica em estatais e agências reguladoras). Observe-se a quantidade de escândalos envolvendo a era Lula. A verdade é que, “como nunca antes na história deste país” foram cometidos tantos atos de corrupção num governo. Quanto aos princípios de mudança, de renovação, de moralização, ora, que vão às favas. O PT, hoje, não passa de versão pefelista de ontem. O que é lamentável, pois indica que o político brasileiro não está sendo capaz de manejar as liberdades democráticas tão arduamente reconquistadas no regime ditatorial.
Enquanto isso, questões graves, como as relativas ao avassalador endividamento público interno (hoje na casa dos R$ 2,2 trilhões, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional) está totalmente omissa do debate público. A dívida externa, por seu turno, que teria sido “zerada” pelo governo Lula, ao contrário, também preocupa e ninguém fala no assunto.
Com efeito, de acordo com estudos do economista Ricardo Bergamini, baseado em dados dom próprio Banco Central, “as reservas internacionais, em fevereiro de 2010, atingiram o montante de US$ 241,1 bilhões, e sendo a taxa média de câmbio no período de US$ 1,00/R$ 1,8107, as reservas eram de R$ 436,6 bilhões”.
Considerando-se, conforme demonstrado no estudo em referência, que, “em fevereiro de 2010 a Dívida Externa Bruta era de R$ 533,9 bilhões (US$ 294,8 bilhões) e a Dívida Externa Líquida de R$ 97,3 bilhões (US$ 53,7 bilhões)”, tem-se, pois, que “a Dívida Bruta Total do Tesouro Nacional (interna e externa) em fevereiro de 2010 totaliza R$ 2.528,1 bilhões (77,60% do PIB)”.
Observa-se, por outro lado, que o Brasil pouco avançou na reestruturação dos gastos públicos da União. Ainda segundo o analista Ricardo Bergamini, “de janeiro de 2003 até agosto de 2010, o governo Lula obteve uma receita total de 27,82% do PIB (correntes e de capitais), tendo aplicado 32,04% do PIB (correntes e de capitais) como segue: 8,43% (Serviço da Dívida); 5,39% (Transferências para Estados e Municípios); 6,74% (Previdência Social - INSS); 4,85% (Gastos com Pessoal da União); 1,79% (Saúde); 1,54% (Defesa); 1,36% (Educação); e 1,94% com as demais atividades da União, gerando déficit fiscal nominal de 4,22% do PIB”.
Portanto, “de janeiro de 2003 até agosto de 2010, apenas com Serviço da Dívida - R$ 1.619,1 bilhões (8,43% do PIB); Transferências Constitucionais e Voluntárias para Estados e Municípios - R$ 1.035,6 bilhões (5,39% do PIB); Previdência INSS - R$ 1.293,4 bilhões com 23,7 milhões de beneficiários (6,74% do PIB) e Custo Total com Pessoal da União - Civis e Militares - Ativos, Aposentados e Pensionistas - R$ 930,9 bilhões com 2.175.483 de beneficiários (4,85% do PIB) totalizando R$ 4.879,0 bilhões (25,42% do PIB), comprometeram-se 91,35% das Receitas Totais (Correntes e de Capitais) no período, no valor de R$5.340,9 bilhões (27,82% do PIB)”, conclui Bergamini.
Não falamos ainda em previdência social, outro buraco sem fundo, que abordarei em próximo artigo. Como a maioria dos políticos e seus seguidores detestam números, penso que nos cabe, os que com eles trabalham e se preocupam, alertar a sociedade sobre a real situação do país. Este o “carry over” a ser transferido ao próximo governo, seja ele Dilma ou Serra. Retemperada “herança maldita”?
Eis a questão. É caso de comemorar ou de perder o sono?
* Osíris Silva é economista, consultor, ex-Secretário da Fazenda do Amazonas.