Por Paulo Linhares*
Na antiguidade clássica, sobretudo no apogeu do Império Romano, as pessoas faziam todos os esforços possíveis para retornar às suas cidades de origem para, no lugar onde nasceram, serem recenseadas.
Naquele tempo, ser contada no censo dava à pessoa a condição de cidadania (que era confundida com a nacionalidade, no sentido atual) no âmbito do Império de Roma. Ser cidadão de um país poderoso, de um grande império sempre foi algo a engrandecer as pessoas. Não sem razão o jusfilósofo Marco Túlio Cícero dizia, com acendrado orgulho: "Civis romanus sum" ("Sou cidadão romano").
Não resta dúvida de que, atualmente, o censo - embora ainda seja uma relevante atividade do Estado, sobretudo pela valiosíssima coleta de dados sobre a população e o país - perdeu importância diante do atributo maior da cidadania que é a de participação das pessoas, no processo político, através do direito de sufrágio, que pode ser positivo (que é o direito de votar) ou negativo (o direito de ser votado ou, como ensina José Afonso da Silva(1997/350), "consiste, pois, a elegibilidade no direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato político no Legislativo ou no Executivo").
Definitivamente, o exercício do direito de sufrágio, em especial na sua feição positiva, passou a confundir-se com o exercício da cidadania, nos dias atuais. Sempre que penso ou falo nessa questão, lembro-me das palavras do sociólogo Octávio Ianni, que tive a honra de conhecer na condição de convidado a uma palestra que proferiu, em fria manhã de inverno, no Doutorado em Educação da Universidad Complutense de Madrid, Espanha. Diz o mestre Ianni: "Pouco a pouco, as pessoas começavam a sentir-se e definir-se como cidadãos, com voz e voto, com opinião e decisão. A despeito das diferenças e discriminações de classe, raça, religião, sexo e outras, as pessoas começavam a definir-se com base em um elemento político comum às vezes novo, para muitos. A filiação partidária, o voto secreto nas eleições municipais, estaduais e federais, a possibilidade de falar pela voz do deputado, de fazer-se ouvir pelo líder do sindicato ou partido, por via da imprensa escrita ou falada, tudo isso constituía o princípio e a prática da cidadania." Palavras atualíssimas e bem talhadas para este momento da vida brasileira.
Hoje, 31 de outubro de 2010, é um data para ser lembrada na história destes auriverdes Brasis. A escolha democrática de mais um(a) presidente - gosto do substantivo de dois gêneros, embora a palavra "presidenta" também seja de uso corrente - da República, em um dos mais significativos processos eleitorais do planeta, por seus aspectos qualitativos e quantitativos (neste caso, envolve 135.804.433 eleitores aptos ao exercício do direito de sufrágio), isto sem mencionar que a estruturação do sistema eletrônico de votação, precedido da construção de um dos melhores e maiores cadastros eleitorais do mundo, melhorou substancialmente o processo eleitoral brasileiro, banindo uma série de vícios comuns ao sistema anterior, posto que não possa ser considerado o ideal, como erroneamente defendem alguns.
O fantasma da abstenção ronda esta eleição. No primeiro turno deixaram de votar 24.610.296 (18,12%). Neste, o fato de recair a eleição em dia de domingo, na antevéspera de um feriado (Finados), é bem negativo porque muitas pessoas - erroneamente - preferem não votar, investindo no desfrute integral do "feriadão". É bom lembrar que a legitimidade dos resultados das urnas é tanto maior quanto for o percentual de votos dos eleitores aptos. Seja em Dilma ou em Serra, o importante é votar. Não aposte na abstenção nem seja um reles "brancoso" (que vota em branco) ou anulador de voto. A democracia não é assim tão exigente e se alimenta desse fio de esperança que sempre acompanha os embates eleitorais. Novamente, às urnas, cidadãos!
* Paulo Afonso Linhares é o Defensor Público-Geral do Estado, professor e escritor.
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