domingo, 10 de outubro de 2010

Voz das urnas

Por Osíris Silva*

O “nunca antes na história deste país”, além de cabotinismo explícito, é deselegante para com a História. Desdenha e menospreza os que lutaram contra o jugo colonizador, os que se empenharam nas lutas em prol da independência, os abolicionistas que arriscaram a vida para eliminar a escravatura. Não leva em conta o sangue derramado pelos responsáveis em promover a transição sem significativas perdas humanas do regime monárquico ao republicano; procura, por outro lado, ocultar os que empreenderam reformas tendo em vista a modernização das instituições do país, como Vargas e JK; o sangue derramado dos que enfrentaram forças poderosíssimas para libertar o país dos grilhões da ditadura e assim reconstruir a democracia, a mesma que ora nos permite discutir livremente toda essa problemática, votar e escolher nossos governantes. Não menos relevante, mas, enfim, ignora de forma afrontosa o significado da abertura da economia promovida por Collor; do Plano Real, da Lei de Responsabilidade Fiscal, das privatizações (respeitadas integralmente pelo governo Lula), da estruturação das agências reguladoras (hoje engolidas pelo aparelhamento partidário), dentre outras ações empreendidas no governo Fernando Henrique.

Diz-se que o voto é livre. Não é. Argúi-se que o povo, ao votar, exerce direito soberano de escolha, que o político não reeleito não “soube ouvir” a voz do povo e adaptar-se aos novos tempos. Não necessariamente. No instante em que o presidente da República declara perante a mídia, alto e bom som, querer livrar-se de parlamentares e partido político de oposição, há-de se chegar à conclusão de que algo não anda bem. Ou estamos retrocedendo aos tempos ditatoriais?

O governo, nestas eleições, “como nunca antes na história...”, promoveu verdadeiro festival de gastos públicos para eleger o sucessor de Lula. Todas as empresas públicas, órgãos ministeriais da administração direta e indireta, além de ministros, presidentes e diretores de órgãos, chefes de departamentos e divisões, assessores, etc., foram levados às ruas para eleger seus candidatos. O que não funcionou em vários estados brasileiros.

Em decorrência do segundo turno, o governo viu-se obrigado a discutir melhor com a sociedade o quadro político nacional e o real mérito, se é que há, de sua candidata. Ao que me parece, ela não conseguiu transmitir plena segurança ao eleitor. A gestão Lula surfa nas ondas do governo FHC. Não foi, certamente, o primeiro a se tirar vantagem de programas bem sucedidos gerados em outros governos. Como observou o economista Mailson da Nóbrega, em artigo publicado na revista Veja, “Bill Clinton se beneficiou das reformas de Ronald Reagan. Os trabalhistas britânicos viveram o crescimento construído pelos conservadores, sob a liderança de Margareth Thatcher”.

A diferença, afirma Mailson, “é que não se apagava o passado à moda de Stalin”. Aqui precisamente reside o perigo. O governo não busca tão somente ganhar uma eleição. Mas eliminar seus opositores, varrer para o mar todos os que se lhes opõem. O passo seguinte seria o “paredón”? Definitivamente, estamos diante de anacronismos não condizentes ao Brasil que se pretende potência e ao próprio regime democrático pelo qual tanto lutamos.

Negar méritos a outrem e achar que só os seus têm valor, é, acima de tudo, sinal de fragilidade e de insegurança em relação às suas próprias convicções e à legitimidade dos projetos políticos que defende. Não é assim que um país se moderniza dentro de uma democracia. O mérito reside exatamente na pluralidade de pensamentos e em conseguir adequar com maior eficiência e perspectivas de resultados positivos seu programa de governo aos verdadeiros anseios da nação.

* Osiris Silva é economista, consultor de empresas, produtor agrícola e ex-Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, e da Fazenda, do Amazonas.

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