Por Paulo Linhares*
Nestes dias de açodamento e de tanta falta de compostura, tão comuns às pelejas eleitorais do nosso país, a exemplo da que está em pleno curso, neste ano de 2010, lembro-me com um certo amargor das palavras de Goethe em verso tornado célebre pela inserção em bela crônica de Jorge Luis Borges (A Cegueira): "Alles Nahe werde fern". "Tudo que é próximo se afasta". Referia-o o bardo alemão ao crepúsculo da tarde, mas, como nota Borges, poderia referir-se mais apropriadamente à vida, às perdas que a todos ela impõe com o passar dos anos. Ou como assevera o mais genial dos argentinos (depois do Che, é claro!), "Ao entardecer, as coisas mais próximas já se afastam de nossos olhos, [...] Todas as coisas vão-nos deixando. A velhice deve ser a suprema solidão, salvo que a suprema solidão é a morte". Melancólico é que o mundo visível tenha afastado-se dos olhos de Borges, no entardecer de sua vida tão prolífica, de tão belos escritos que fizeram do Nobel de Literatura uma repisada injustiça por se afastar dele, ano a ano, sem razão plausível. Nunca alguém mereceu tanto essa láurea e foi tão olvidado; nunca o Comitê sueco foi tão avaro e apequenado. De tão próximo dos seus tantos admiradores, Borges se afastou para a suprema solidão da morte, onde os Nobel todos não fazem qualquer diferença...
Esse "Alles Nahe werde fern" de Goethe tem a mesma significação do "tudo que é solido desmancha no ar" do seu conterrâneo Karl Marx. Pessoas e coisas estão sujeitas às mudanças mais surpreendentes, seja se desmanchando no ar, a despeito da solidez, seja se afastando dos que lhes eram próximos. O inverso destas situações limites são igualmente estonteantes: quem poderia supor que um humilde palhaço fosse ungido deputado federal pela soberana graça do povo-eleitor que lhe conferiu uma montanha de votos? O palhaço Tiririca, nem tão engraçado assim, obteve 1,3 milhão de votos dos eleitores de São Paulo, possibilitando a eleição de mais quatros deputados federais - inclusive do Dr. Protógenes Queiroz, aquele da Operação Satiagraha que tentou enquadrar (no xadrez mesmo, a sete chaves) o poderoso banqueiro Daniel Dantas - que sem essa exótica carona jamais chegariam à Câmara Federal. Como diria um alarmado Cícero nestes tempos de abundantes catilinas, "Oh, tempora, oh mores!" (Oh tempos, oh costumes!"). Que se pode dizer, então, de um operário que se torna presidente da República e desponta como um dos maiores estadistas brasileiros? É Lula sim, senhores.
Estamos há poucos dias do desfecho do processo eleitoral de 2010, com a realização do segundo turno de votação, em 31 de outubro, nas eleições presidenciais e para alguns governos estaduais. Os candidatos à presidência - Dilma Rousseff, representante do bloco progressista, de um lado, e José Serra, que representa um arco de aliança das forças políticas conservadoras, do outro - se esforçam em mostrar que tudo caminha nos lindes do ritual democrático, embora seus simpatizantes respectivos travem uma guerra surda no ciberespaço, sobretudo nas chamadas "redes sociais".
Já saiu de tudo que se possa imaginar de baixarias, p. ex., no desiderato de denegrir a imagem da candidata Dilma e do seu padrinho político, o presidente Lula. O interessante é que enormes grupos de apoio a um ou outro desses lados, têm-se formado na Internet e vêm crescendo mediante a adesão (pela via eletrônica) de milhares de internautas. As campanhas eleitorais definitivamente ganharam o ciberespaço.
Aguardemos os resultados de 31 de outubro, porém, na certeza de que independentemente do resultado "somos todos marinheiros desta Nau Catarineta", coisa que faz lembrar aquelas palavras candentes do Frei Caneca, o maior dos heróis nordestinos, ditas um ano antes de ser fuzilado na condição de mentor da Revolução Pernambucana de 1817: "Quando a nau da pátria se acha combatida por ventos embravecidos; quando, pelo furor das ondas, ela ora se sobe às nuvens, ora se submerge nos abismos; quando, levada do furor dos euripos, feita o ludíbrio dos mares,ela ameaça naufrágio e morte, todo cidadão é marinheiro(...)". Tenho sempre em mente a advertência lúcida de François Silvestre, de que a pátria não é de ninguém. É nossa, de todos nós brasileiros, nós que temos a tarefa de desatar todos os seus nós, como diria o astuto Barão de Itararé.
* Paulo Afonso Linhares é Defensor Público-Geral do Estado, professor e escritor.
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